Se eu lembrar

Capítulo 01 - Lúcia

Uma dor de cabeça enorme insistia em querer destruir meu cérebro quando despertei, o engraçado é que eu nem me lembrava de ter bebido na noite anterior. Uma espécie de "bipe" estranho e ritmado colaborava com as pontadas de dor que eu estava sentindo.

Ainda de olhos fechados, tateei a cama em busca do meu celular, imaginando que fosse a origem do som infernal e me surpreendi ao bater a mão em uma grade. Confusa, abri os olhos e tentei me sentar na cama, mas meu corpo fraquejou e um gemido de dor escapou de meus lábios quando tombei de volta, caindo de costas na cama.

Olhei ao redor e, pelo pouco que consegui ver, aquele lugar em nada se parecia com meu quarto. A cama em que eu estava era de solteiro, o quarto era completamente branco, cheirava a álcool e estava cheio de máquinas ao meu redor. Entrei em choque e a dor de cabeça pareceu piorar quando percebi que se tratava de um quarto de hospital. Mas que diabos eu estava fazendo ali?!

— Socorro... — Minha garganta seca doeu em protesto quando chamei por ajuda.

Um movimento súbito me alarmou, virei a cabeça para o lado, procurando a causa do som e dei de cara com Gabriel me encarando de boca aberta, sentado em uma poltrona. Ele estava com as roupas e o rosto amarrotado, como se estivesse dormindo ali, e sua feição estava tão confusa quanto tudo aquilo, mas seus olhos estreitos exprimiam um alívio inconfundível. Não era pra menos, seja lá o que tenha acontecido, o cara era meu melhor amigo havia uma era e sempre se preocupou muito comigo.

Nos conhecemos no ensino médio e, na época, ele era completamente introvertido. Ele literalmente caiu na minha vida, após ter sido empurrado da escada do colégio por uns manés do time de futebol, incluindo o Renato — meu então namorado —, enquanto eu estava subindo para a aula. O garoto oriental com pinta de nerd ficou desesperado com medo de ter me machucado e se desculpou diversas por ter me envolvido em seus problemas, como se ele tivesse culpa de estar sendo alvo de bullying e me compadeci. Eu sabia como era ser a novata em um lugar cheio de pessoas cujo maior prazer era zombar com a cara dos outros, isso durou até o dia em que consegui me integrar ao círculo, apesar de nunca ter concordado com seus métodos ou participado de suas rotinas maldosas. 

Renato desceu correndo as escadas para ver como eu estava e dei o maior sermão nele, dizendo que estava fora daquele grupinho ridículo e que dali pra frente se ele quisesse zoar com o garoto teria que passar por cima de mim. Desde então, eu tentei me aproximar do japinha mais tímido do planeta e pouco depois de que o convenci a ser meu amigo, Renato se cansou daquilo e percebeu que valia mais a pena estar ao lado de pessoas sinceras e tranquilas, se aproximando de nós para se desculpar e reatar comigo. Com o tempo, e diversas histórias para contar, nós três nos tornamos os melhores amigos do mundo e nem mesmo as tribulações da vida adulta conseguiram nos separar.

— Gabe... — Chamei-o, apesar do chiado da garganta.

Parecendo espantado, como se eu fosse um maldito fantasma, ele se levantou correndo da poltrona e correu para a porta, escancarando-a para berrar em alto e bom som:

— Ela acordou! A Lúcia acordou!

Ele voltou correndo para o meu lado e apertando uma série de botões na cama para que ela se flexionasse, ajudou-me a sentar e me serviu um copo d'água, que estava no criado mudo ao lado junto a uma jarra de vidro. Segurando o copo em minha boca, ajudou-me também a beber, inclinando-o levemente para que eu conseguisse dar pequenas goladas. Eu estava me sentindo muito fraca e minha boca estava tão seca que parecia estar cheia de pó de ferro.

— O que aconteceu? — Perguntei, mas Gabe continuava me encarando assustado e no mais completo silêncio.

Seria por causa da minha aparência? Mesmo sendo muito vaidosa, imaginava que aquele não deveria ser meu melhor momento já que estava em um hospital. Mas algo no semblante de Gabriel parecia triste e cansado, o que me dizia que seja lá o que fosse o problema, era algo muito maior e pior.