Prólogo

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Com as roupas manchadas de sangue, uma jovem mulher corria desesperadamente por uma trilha lamacenta que cortava a floresta. Por uma das mãos ela puxava uma pequena criança de longos cabelos brancos e olhos tremendamente azuis que reluziam os relâmpagos que acendiam os céus. O barro rebuscava sua pele clara, e a chuva encharcava suas grosseiras roupas de linho. As pesadas gotas da tempestade interrompiam a visão da mulher, que olhara diversas vezes para trás, visivelmente consternada por aqueles que os perseguia. As lágrimas que escorriam de seus olhos se perdiam em meio à chuva, e sua face atribulada exemplificava o terror de uma mãe tentando proteger o filho.

Subitamente, uma flecha a atingira pelas costas, atravessando a carne e perfurando um de seus pulmões. O impacto a jogara primeiro sobre o joelho esquerdo, mas dada a velocidade que corria, capotou como um cervo abatido por um caçador. Confuso, o menino tentara erguê-la, porém não tinha força o suficiente para tal. Ante o esforço inútil de seu filho, ela o mandara correr para longe, embrenhar-se na mata e esconder-se em algum lugar onde os homens não pudessem encontrá-lo.

Amedrontado, o garoto correu obediente. Ele entrou apressadamente na floresta, embrenhou-se através dos juncos e arbustos que cresciam entre as árvores. Tão veloz quanto um coelho. Os galhos machucaram seu jovem semblante, abrindo pequenos cortes que logo passaram a sangrar. Os gritos de dor e agonia de sua mãe ecoaram junto a um par de perversas e maliciosas gargalhadas masculinas, mas ele não parou.

O garoto correra o mais rápido que pudera, e quando exausto escondera-se em uma pequena gruta para descansar. Acreditando que a pequena criança não sobreviveria sozinha no interior daquele denso matagal, os homens sequer prolongaram seu esforço para caçá-lo. E dentro da gruta, o menino passara a noite aguardando o término da tempestade.

Ao amanhecer, o céu estava claro, e os coloridos rouxinóis cantarolavam graciosamente de seus ninhos. Se nada de ruim tivesse acontecido na noite anterior, o garoto pararia para vislumbrar as belezas da floresta, assim como sempre fizera na companhia de sua mãe toda vez que iam ao bosque perto do vilarejo. Entretanto, ao lembrar-se dela, desejou reencontrá-la. Aquilo tornou-se sua única prioridade. Por essa razão, deixou o covil em que se escondia para trás, sem pensar duas vezes nos perigos que ainda poderiam estar por ali.

Ao retornar para a estrada, encontrara o corpo de sua mãe em meio à lama, com as vestes rasgadas, os seios à mostra e o pescoço degolado, sobre uma viscosa poça de sangue. Inconsolável, o menino sentou-se ao lado dela e acariciou seu rosto já acinzentado. Durante dois dias permanecera ali afastando os corvos que tentavam se aproximar. Até que sem forças, desmaiou.

Algumas horas após o garoto perder os reflexos, uma comitiva de mercadores passara pelo lugar. Aprisionadas em jaulas ajustadas sobre as caçambas de três carroças, estavam dezenas de mulheres e crianças, todas de aspecto imundo e machucado. Fileiras de homens nus, acorrentados uns aos outros, caminhavam com os pés descalços, puxados pelo movimento dos grandiosos bois felpudos que tracionavam as rudes diligências.

Armados com machados, lanças e escudos, os guardas que escoltavam a caravana eram grosseiros e musculosos. Vestidos com roupas de peles e lã, eles ostentavam longas barbas com tranças presas por anéis metálicos e outros ornamentos. A maioria tinha cabelos dourados, porém alguns poucos dispunham de cabelos castanhos ou negros. Cinco cavaleiros cavalgavam enfileirados nos flancos das carroças, para que a formação dos prisioneiros fosse mantida. Prisioneiros estes que evitavam olhar à sua volta para não serem açoitados.

Montado em um robusto cavalo negro, de crina longa, cascos largos e robustos, encontrava-se um homem autoritário que se destacava entre os demais. O líder da comitiva tinha braceletes de ouro nos pulsos, e carregava pendurado em seu pescoço um pingente de prata em forma de espada. Sobre as vestes de linho, era o único na comitiva que trajava uma grossa couraça reforçada com elos de ferro. Suas vestes eram tingidas de preto, a não ser pela capa de urso que levava sobre os ombros e costas, uma vez que o animal era naturalmente escuro. O elmo enegrecido tinha um par de chifres de bode se arqueando das laterais, enquanto a face do guerreiro era coberta por uma caveira de ferro enegrecido. Uma longa barba loira escapava pela parte inferior do capacete, revelando que sob a figura sinistra do cavaleiro existia um ser humano. Conforme ele cavalgava, o assombroso conjunto de cinco crânios que ostentava preso à sela chacoalhava e fazia barulho quando se batiam.

As Crônicas Amalusianas: Os Senhores da Guerra - (Prévia - Livro I)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora