prólogo

22 1 0
                                    

Agosto, 2018

Estar em um racha não era tão emocionante como Velozes e Furiosos mostra nas telonas. Tinha homens lindos, o som altíssimo de doer os ouvidos, mulheres seminuas e muito dinheiro rolando. Mas ela estava mais preocupada com aquele cheiro forte de gasolina e a terra se fundindo e assim prejudicaria todo o seu pulmão. Se sua fada madrinha surgisse no meio daquela fumaça, Lídia pediria que a tirasse dali para ficar em casa vendo pela décima vez a mesma série no catálogo da Netflix com a sua torta de limão, lugar onde os seus pulmões estariam salvos e longe de qualquer contaminação. Mas a situação estava bem invertida. Além de seu pulmão estar sendo prejudicado, seu coração poderia estar na beira também.
Não conseguia tirar os olhos daquele garoto que exalava problema. Os olhos dela vagavam por algumas tatuagens expostas no seu corpo por causa da camiseta listrada em verde, amarela e azul, os primeiros botões estavam abertos também. Surgiu uma curiosidade desconhecida em querer ver cada uma delas de perto, tocar ou até beijá-las...
— Eu consegui! — Rebeca gritou sentando ao lado de Lídia no capô de um Honda velho. Lis continuou em silêncio com sua cerveja vendo uns carros se preparam e Beck colou um papel no seu busto — Você é a 68. Espero que consiga o Vitão. — respondeu mordendo os lábios, deixando clara sua esperança.
— Como assim, Rebeca? — deixou a cerveja de lado bem confusa com tudo que ela falava — Quem é Vitão? E por que eu sou 68? — saiu do capô ficando de frente para a morena, sabendo que viria bomba.
— Eu sou o Vitão e você pelo visto é a 68. — uma voz arrastada atrapalhou a discussão delas, deixando Lis mais confusa ainda quando o garoto problema estava bem à sua frente olhando o seu peito — E você tem 20 minutos para desistir da melhor adrenalina, baby... — alertou passando os dedos pelo seu queixo. Fechou a boca, assistindo ele voltar para o seu carro com cabelos balançando com o vento fresco.
Ahn? Ele realmente acha que eu tenho medo de um carro cheio de nitrogênio?
— Por que você sempre me enfia nessas coisas? — esbravejou com as mãos na cintura. Não sabia o motivo da surpresa, era do feitio de Rebeca colocá-la em problemas.
— Porque eu sei que você vai aceitar, Lis. — explicou, óbvia. Jogou o cabelo para trás do ombro e voltou a olhar o tal Vitão, rodeado de garotos, como se fosse um copo d'água no deserto — E ele é um gato também, né!
— Hm, nem é tudo isso... — bufou envolvendo as tranças em um coque, já que sentiu certo calor quando sentiu o olhar dele sobre ela.
Lídia não podia evitar contar os minutos para desistir, já haviam passado alguns carros destruídos por derraparem ou por batida. Na verdade, não conseguia entender o motivo de estar cogitando entrar naquele carro. O que ela faria? Só ficaria assistindo um cara por sua vida em risco enquanto ela estava no banco do passageiro? Ela não saberia responder essas perguntas, apenas ouviu seus pensamentos e foi até o garoto problema que estava no capô. Qualquer coisa culpava o álcool.
— Tô vendo que não desistiu, hum, 68? — levantou do capô com um lenço em mãos e andou em sua direção
— Como você quer que esse Ford Maverick vença de um Audi TT? — indagou, ignorando a forma que lhe chamou. Pode perceber que ele tinha dois piercings e um risco na sobrancelha esquerda a cada passo que ele dava.
— A antiguidade está em alta, nunca ouviu isso? E outra, eu sou muito bom até com um fusca. — segurou o suspiro sentindo Victor bem atrás dela passando uma bandana vermelha pelo seu pescoço. Okay, ele é o pacote completo da perdição — Pra você não respirar poeira e não tossir feito louca.
Lis concordou se virando na direção dele e o olhando nos olhos. Ela não era tão baixa como a maioria das mulheres, então não foi complicado enterrar as mãos no cabelo dele para fazer um coque. Victor ficou quieto, apenas sentindo os dedos dela passaram pela sua cabeça e — segurando com todas as forças um gemido manhoso com aqueles dedos — riu abafado admirando o biquinho de concentração que ela tinha nos lábios. Lábios essas carnudos e muito convidativos. Para a infelicidade de Victor, o calor e o cheiro que ela emanava se afastaram do seu corpo.
— Assim você não põe minha vida em risco. — disse no mesmo tom dele adentrando no carro preto. Inspirou fundo o cheiro de couro e colônia, e até um pouco de suor (nem queria imaginar quantas meninas devem ter suado nesses bancos), mas nada totalmente desagradável. Já que de certa forma era até sexy.
— Olha, eu não quero que pense que sou um moleque prepotente que fica brincando de corrida como Hot Wheels. — Lídia sobressaltou quando um tom de seriedade se fez presente, olhou para cima o vendo segurar a porta — Eu gosto da adrenalina, de sentir o vento, de ter o domínio, sabe? Eu quero que confie em mim antes de tudo?
Soltou o ar, se sentindo aliviado e levemente envergonhado, mas sentiu a necessidade de ter a confiança dela, ter a certeza de que ela não precisava ficar insegura perto dele. Não entendia o porquê de ter agido assim, Victor nunca precisou da certeza de alguma mulher para correr ao lado dele, mas as palavras dessa mulher que nunca tinha visto tinham mexido com seu interior.
— Beleza, eu confio em você. Se você diz que não é um moleque, eu acredito. — disse simples deixando ele levemente surpreso. Não sabia que seria tão fácil conseguir a confiança de alguém, pelo visto é só ser sincero.
Ele examinou o rosto dela, principalmente seus olhos, que mostravam bastante sinceridade de sua parte. Ela desviou o olhar assim que ele fechou a porta e deu a volta no carro, sentando no seu banco e fechando sua porta também.
Sem querer, seu olhar caiu sobre Victor, que estava completamente focado na pista à sua frente e parecia bem tenso com o maxilar marcado e a coluna ereta. Os gritos do aglomerado de pessoas não tirariam sua concentração de forma alguma, mas o olhar dela estava o queimando, então, propositalmente, ele a encarou de volta só pra deixá-la sem jeito.
— Meu nome é Lídia, não 68. — explicou, retornando o seu olhar para a janela, colocou a bandana no rosto como ele e riu vendo Rebeca acenar para ela feito louca no meio da multidão. Se ela morresse, o seu sangue cairia sobre Rebeca.
— Okay, Lídia. Qualquer coisa pode segurar a minha mão. — sugeriu malicioso erguendo um sorriso, que foi difícil não contagiar Lídia e ele percebeu quando os olhos dela apertaram. Victor queria tirar o lenço de seu rosto só para confirmar que seu sorriso era tão lindo quanto o seu olhar.
No momento que o motor foi ligado e o carro parou atrás da faixa branca ao lado do Audi branco, Lídia e Victor sentiram uma excitação dentro deles. Para Victor, aquela sensação era melhor que qualquer coisa, ele se sentia confortável com o coração palpitando e o vento batendo em seu rosto. A temperatura corporal subir, a famosa adrenalina tomar o controle sobre o seu corpo, a garganta secar e um sorriso surgir para completar o pacote.
E, como nos filmes, uma mulher negra com dois lenços estava em frente dos carros, e Lis já não conseguia prestar atenção em qual numeração ela estava. Apenas ouviu o carro rugir, com Victor pisando no acelerador e ajeitando a marcha, logo depois só foi um vento muito forte atingir seu rosto a afundado no banco, ela desejava ser sugada por ele. E, para sua própria surpresa — e a dele também —, Lídia esticou os braços até a mão dele repousada em sua perna, e apertou bastante.
— Pode ficar tranquila, Lídia. — como ele conseguia estar tão calmo com o carro naquela velocidade? E como Lídia podia acreditar naquelas palavras como se fosse seu melhor remédio? Ah, vamos lá, Lídia, você já conheceu caras melhores! Talvez ele só seja diferente.
Não satisfeito com a velocidade, Vitão pisou mais fundo no acelerador com os olhos no retrovisor, vendo apenas um borrão do Audi, que estava bem atrás com a poeira que seu velho e bom Maverick fazia. Gargalhou alto enquanto sentia pressão que seu corpo teve com uma curva mais sinuosa. Já Lídia gritou de desespero com a pressão feita. Se a sua caixa torácica não explodisse hoje, nunca mais iria. A única adrenalina que Lis estava acostumada era aquela que ela aplicava em seus pacientes em questões de vida ou morte.
Ele a olhou de soslaio, só para conferir — pela centésima vez — a sua beleza e se realmente parecia mais tranquila, já que ainda sentia seus dedos serem cruzados com os dela. Não que estivesse reclamando, mas só queria admirá-la.
Vitão apertou seus dedos até estalarem no volante, vendo que estava bem próximo da faixa e que as pessoas já pulavam para aplaudir e exaltá-lo. Não era uma corrida tão importante para ele, mas importava para velhos sedentos por dinheiro fácil em garotos novos e ele não perderia a chance de mostrar que tem potencial nas pistas ilegais.
Com um som irritante das rodas derrapando sobre a terra, o carro foi freado bruscamente, jogando os dois corpos para frente. Verificou se ela estava desmaiada pelo o silêncio presente no carro, mas seus olhos estavam fechados com a bandana no seu pescoço e os lábios entreabertos por causa da respiração pesada.
— AAAAAAH! — o grito estridente com uma gargalhada gostosa no final fez Victor tirar a bandana do seu rosto, visualizando uma Lídia deslumbrada e bem próxima do seu rosto — Isso foi tão incrível! — Lis segurou o rosto dele com as duas mãos olhando no fundo dos seus olhos.
Victor umedeceu os lábios, concentrado demais em decifrar o olhar profundo que ela passava e ignorando toda a multidão que batia em seu carro — na verdade até fechou as janelas — e gritava o seu nome. Não era sempre que sentia todo o seu corpo incendiar com o toque de uma mulher que nem conhecia, e ele sabia que não era o único sentindo essa chama dentro de si.
— Posso te beijar? — foi quase inaudível para Lis o simples pedido dele.
— Hm, você é engraçado, Vitão — respondeu simples, saindo do carro com um sorriso e deixando ele bem confuso, e ele a acompanhou.
— Isso foi um não? Ah, qual é? Eu sei que você quer! — se debruçou no teto do carro, gritando por causa das pessoas que o chamavam. Lídia apenas deu de ombros sem tirar esse maldito sorriso.
— Hey, Vitão! Parabéns, mano. — o homem com quem disputou berrou. Ele queria poder dizer o mesmo, mas seria mentira e nem sabia o nome dele então apenas agradeceu com um rápido abraço — Mas você merece realmente isso aqui... — o movimento do punho dele até seu rosto foi tão forte que a queda do seu corpo no chão foi instantâneo.
O sangue de Victor ferveu para nocauteá-lo, mas a sua cabeça rodava demais e o chão parecia ser bem confortável no momento. Era muito comum, finais de racha sempre termina em brigas. Lídia surgiu na sua frente, empurrando as pessoas que apenas filmavam como urubus toda a cena. Olhou para Victor, que estava com o supercílio sangrando e, antes de tentar ajudá-lo, em uma fração de segundos, a mulher virou para o homem, dando um soco no seu peito.
Victor queria rir de toda cena, mas isso lhe daria mais dores.

[...]

— Você está melhor, Victor? – Lis indagou baixo tirando o pano, agora manchado de sangue, do seu supercílio. A enfermeira que habitava em Lídia despertou quando viu o sangramento, então o jogou no carro e ligou a luz de teto para ter uma visão ampla do ferimento.
Mal sabe ela que só de estar tão perto dele era o remédio pra qualquer tipo de dor. Victor riu dos seus incontroláveis pensamentos.
— Posso te levar pra casa? — ela riu, desacreditada com o que ele pediu, mas concordou.
Talvez o carma estivesse conspirando a favor de ambos. Não era sempre que um racha e um soco na cara resultaria em um provável romance.

Meu carma tem sabor, perfeito pra você
Remédio pra curar a dor, e eu não 'to te cobrando nada

Tratamento Perfeito Where stories live. Discover now