Capítulo Único

Comincia dall'inizio
                                    

— Sonata 17, A Tempestade — respondi, firmando o olhar na sua direção, tentado a pedir que saísse das sombras e me presenteasse com o rosto para a silhueta que vinha fazendo-me companhia pelas últimas semanas. — Vi você dançando — comentei, na tentativa de estabelecer uma conversa.

O que recebi, contudo, foi uma risada baixa; não tímida, não. Apenas baixa, como se estivesse dizendo bobagens.

— Não viu não. Eu não estava dançando — a voz melodiosa rebateu, e eu podia sentir o sorriso envolvendo cada palavra.

— Estava sim — insisti. Dedilhando silenciosamente o piano, completei: — Por que você não vem para cá? Tem espaço de sobra para dançar aqui onde está iluminado.

O palco onde o piano estava posicionado era o único ponto do auditório com luz eminente. Todo o resto estava mergulhado na quase completa escuridão, e eu estava preparado para que ela respondesse que não, para que permanecesse no seu refúgio secreto, distante de mim. Surpreendi-me, então, quando respondeu:

— Ok.

Acompanhei sua silhueta se aproximar, tendo vislumbres aqui e ali de mais detalhes seus conforme passava por baixo de alguns poucos e isolados feixes de luz pelo corredor que a traria na minha direção. O cabelo não era tão escuro quanto imaginei. A pele era mais escura do que imaginei. A estatura era tão diminuta em altura quanto sua silhueta indicava. Os olhos, notei quando finalmente se pôs debaixo da área iluminada, após subir os três degraus que trouxeram ao palco, eram curiosos e castanhos.

E ela era linda.

— Você toca bem — ela disse, contornando o piano com cautela, a ponta do indicador percorrendo a madeira escura, como se limpasse um rastro inexistente de poeira. Acompanhei com os olhos o percurso que ela fez, absorvendo seus detalhes. Então, pegando-me desprevenido, ela ergueu os olhos para mim e sorriu; um sorriso arteiro combinado com um leve arquear de sobrancelhas. — Muito melhor do que aquele outro cara.

O tom confidente me arrancou uma risada curta. Balançando a cabeça, dedilhei uma escala, depois outra, sentindo seu olhar penetrando minha pele.

— Mesmo? — perguntei, metade de mim apenas divertindo-se com essa validação inesperada, a outra metade verdadeiramente ansiando por uma confirmação. — Estou competindo com ele pela vaga.

— Ouvi falar — a garota comentou, apoiando os cotovelos sobre a outra ponta do piano, o queixo repousado nas palmas. — A tal apresentação desse final de semana.

Concordei com a cabeça.

Aprendi a tocar em um projeto social na comunidade em que nasci. Ainda era garoto, mal devia ter meus oito anos quando aconteceu. Jamais sequer transitei perto de possuir condições financeiras para pagar por aulas, para ter um piano para praticar, então, nos últimos doze anos, vinha migrando de escola para escola, associação para associação, usando auditórios, teatros após fechados, contado com o apoio alheio para me dedicar ao meu sonho. Agora, a oportunidade de tocar em uma orquestra internacional que havia acabado de abrir uma escola no Brasil havia se apresentado, e não existia a menor chance de eu deixá-la me escapar.

Então, toda noite do último mês, depois do fim do meu turno de trabalho em um supermercado do bairro, vim até aqui. Meus dedos, àquela altura, doíam. As articulações estavam doloridas, e qualquer músico responsável recomendaria não forçar seu corpo além do limite dessa forma, mas eu não tinha escolha.

Era minha única chance.

— Pode tocar mais uma? — ela perguntou, as íris cintilando em interesse e expectativa, encarando minhas mãos repousadas em meu colo, não meu rosto.

AllegrettoDove le storie prendono vita. Scoprilo ora