CIDADE DOS ÓRFÃOS

Ultimamente eu tenho pensado muito na morte e tudo que ela carrega. Não imagino ela como uma adversária, mas como uma amiga a qual posso contar todos os meus segredos mais obscuros. Tem dias que imagino me jogando de um prédio, outros sou mais realista, sendo atropelada enquanto ando vagarosamente pelas ruas agitadas de São Paulo.

Eu carrego alguns traumas na mala, mas isso não era o suficiente para ser parada na blitz da vida. Eu juro que tento ser feliz, mas esses traumas parecem me puxar para um abismo tão profundo que não consigo escutar as vozes das pessoas me chamando, se é que me chamam.

Eu fui abandonada por meus pais. Fui deixada aqui, na cidade dos órfãos. Acredito que essa cidade foi fundada por outros como eu. Pessoas solitárias, tristes, abandonadas são deixadas aqui. E é como se fosse um refugio em nossa mente doentia.

O que me levou a chegar aqui? Eu sofri um abuso, não venha com essa cara de surpreso! Pessoas como eu são abusadas todos os dias e você não faz nada. Desculpe, não foi minha intenção ser mal educada com você, afinal, você é o leitor, e eu, apenas uma voz na cabeça de alguém.

Mas você sabe o que é sentir as mãos de uma pessoa que você nunca viu na vida acariciando a sua pele? E lambendo o seu pescoço enquanto as suas lagrimas se misturam a sua saliva? Eu senti isso e muito mais. Na verdade, ainda sinto que suas digitais estão presas ao meu corpo. Sinto que elas sempre estarão aqui.

E só a terra mais fria dessa terra poderá fazer com que elas se separem do meu corpo.