Trinta e Um: O Retorno

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Foi impossível não me sentir tocada com tanto zelo. Mesmo assim era difícil ouvir as palavras dele e acreditar que depois de todos os meus atos, não sobrou nem mesmo um leve ressentimento em seu coração.

— Eu o feri muito, pai. O senhor não deve ter esquecido isso de um dia para o outro — pontuei com grande dor.

Papai fez uma pausa e sorriu um pouco.

— Bem, eu consigo me lembrar exatamente da manhã da sua partida. — Ele me olhou com um ar de tristeza. — Eu acordei cedo e estranhei não sentir o cheiro daquele café maravilhoso que você fazia antes de ir para a faculdade, invadindo o meu quarto. Levantei e, pensando que talvez naquele dia sua saúde não estivesse bem, afinal os episódios de mal-estar e vômitos eram frequentes, agora já sei o porquê. — Esboçou uma risadinha. — Como de costume, fui até seu quarto, bati algumas vezes na porta e quando não obtive resposta, nem um murmúrio sequer, eu entrei e encontrei a carta aberta sobre a escrivaninha.

Para minha surpresa, papai retirou do bolso de sua calça uma folha de caderno meticulosamente dobrado e me entregou.

— Eu reconheço — respondi e senti as mãos tremerem ao desamaçar o papel e observar com cautela cada palavra escrita por aquela letra tão familiar.

Queridos papai, Jonas e Davi,
Eu sinto muito, muito mesmo, por precisar partir tão depressa sem me despedir de vocês. Sou uma tremenda vergonha e não mereço fazer parte da família Rodrigues. Estou indo embora e peço que, por favor, não me procurem. Já cuidei de tudo e vou ficar bem.
Amo vocês.
Assinado, Sarah.”

— Quando terminei de ler, acreditei que aquilo não passava de uma brincadeira de mau gosto da sua parte e de seus irmãos. — Papai engoliu em seco. — Mas não era e descobri isso da pior forma quando Jonas entrou no quarto em pânico, me contando que as palavras da carta eram verídicas e você, de fato havia tomado um ônibus e partido para não-sei-onde. — Senti a dor incutida naquelas palavras e a cada lágrima rolada dos olhos dele, parte do meu coração a se despedaçava também. — Eu te procurei tanto. Mesmo depois de receber notícias suas com aquela outra carta, eu rodei cada centímetro dessa cidade e conversei com cada um dos seus colegas. Nenhum deles sabia do seu paradeiro, nem mesmo Gabriela, sua melhor amiga.

— Ah, papai...

— Quando acabaram minhas esperanças, eu passei a questionar a Deus. Não compreendia porque Ele havia permitido que aquilo estivesse acontecendo comigo e porque se recusava a me atender quando eu clamava pedindo pelo seu retorno. — Ele deixou cair os ombros, derrotado. — Fiquei muito doente. Profundamente abatido e sem forças para nem sequer me levantar da cama. Nem mesmo perder sua mãe, me trouxe tanta dor. Talvez porque eu sabia que ela estava segura nos braços do Senhor, mas, e quanto a você? Quem poderia me garantir que algum homem maldoso não lhe havia enganado e sequestrado?

Como fui tola em ter feito tudo aquilo. Meu pai sempre fora tão bom para mim e eu apenas causei-lhe dor e desgosto.

— O senhor deveria ter desistido de mim, pai. Gastei todo o seu tempo, recursos, saúde...

O olhar de papai ficou um pouco mais duro e ele balançou a cabeça negativamente.

— Em meu lugar, você desistiria da sua filha? — questionou, tocando em um ponto delicado para mim.

— Não — respondi sem titubear, mas logo em seguida senti um peso abatendo minha alma.  Eu me coloquei no lugar de papai e imaginei quão terrível seria se Mabel simplesmente fosse embora e me deixasse sem notícias. Eu provavelmente enlouqueceria e não passaria um dia sequer sem procurá-la incansavelmente.  — Não consigo ter paz se ela não está perto de mim.

Meu pai umedeceu os lábios e afagou meu cabelo.

— Eu senti o mesmo durante todos os meses em que esteve longe, minha princesa. — Seus olhos gentis me fizeram romper em lágrimas novamente. — Você não deveria ter duvidado do meu amor.

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