Vinte e Nove: Fuga

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"Meu Deus, o que estou fazendo?" questionei e, pela primeira vez em muito tempo eu me dirigi ao Senhor.

Eu também havia virado as costas para Deus. Não queria saber qual era a opinião dele acerca dos meus recentes atos. Antes de tudo desmoronar, certo seria ter recorrido e me derramado aos pés do meu Salvador. Porém, desde meu retorno eu vinha agindo com imaturidade, preferindo tomar as rédeas da minha vida. Cristo havia morrido por mim, não para que eu agisse independente dele e nisso eu vinha falhando com frequência.

"Ah, meu Senhor, eu estou tão perdida". O coração começou a palpitar e um desespero foi tomando conta de mim.

Aqueles momentos refletindo derrubaram minha convicção de estar fazendo a coisa certa. Ainda assim, eu tinha uma decisão a tomar.

— Chegamos ao terminal — o motorista avisou os poucos passageiros ali presentes, interrompendo meus pensamentos.

Aproveitei o fato do ônibus ter parado, sequei meu rosto, levantei-me com cautela, ajustando Maria já acordada e chorosa em meu colo e fui até o condutor do veículo.

— Com licença — chamei a atenção do homem gordinho. Ele deixou a prancheta a qual segurava e me encarou. — Estou muito longe da rodoviária, senhor?

O homem coçou os poucos cabelos em sua cabeça e deu uma averiguada pela janela antes de voltar-se a mim novamente.

— Está pertinho, na verdade. Atravessando a avenida, você andará algumas quadras e dará de cara com ela — informou simpático e eu agradeci a cordialidade.

Após descer do veículo, eu segui as instruções passadas andando rápido. Queria chegar ao meu objetivo o mais depressa possível, afinal já era noite e podia ser perigoso para uma moça ficar andando por aí com um bebê indefeso.

Naquele curto caminho ouvi mais uma vez meu celular tocando no bolso. Dei uma averiguada e me impressionei com o grande número de ligações acumuladas de Victor, Coelho e até dona Socorro. A culpa começou a me invadir novamente e até ter certeza do que faria a seguir, desliguei meu aparelho.

Pouco tempo depois eu já entrava na rodoviária muito bem conhecida por mim. Senti as pernas bambeando e a falta de ar me obrigou a procurar um lugar para sentar. Eu precisava de calma para pensar com clareza.

Eu me sentia completamente dividida e confusa.

Parte de mim acreditava que eu deveria permanecer em Santa Fé, pois o melhor a se fazer era encarar tudo aquilo de uma vez, mesmo me custando tudo. Mas a outra metade, mais gritante me lembrava o tanto de pessoas a quem machuquei e como seria impossível me retratar com elas. Todos me odiariam e eu não queria isso.

Peguei de um compartimento da bolsa de Mabel o dinheiro ofertado por Victor mais cedo e o contei. Ali havia o suficiente para comprar uma passagem até mesmo para outro estado.

Para onde eu poderia ir? Como iria me virar com Mabel caso eu fosse embora? E se eu ficasse? Com que cara me apresentaria a Victor depois de ter levado nossa filha embora?

— Senhor, eu não sei como proceder — confessei sentindo o coração sendo poderosamente esmagado por um turbilhão de sentimentos. — Preciso da sua ajuda.

Saí do meu lugar anterior e dei uma volta, observando as cabines onde eram vendidas os passes. Resolvi chegar mais perto quando notei em um painel o aviso informando sobre uma promoção relâmpago que estaria acontecendo e beneficiaria quem escolhesse a empresa anunciante para ir até São Paulo. Com aquela ótima oferta, eu teria dinheiro para chegar a grande metrópole e ainda pagar a diária em algum hotel barato.

"Talvez seja um sinal divino" pensei quando só restavam cinco em minha frente. "Mas eu não conheço ninguém em São Paulo" refleti com temor. "Eu também não conhecia ninguém Santa Luz e mesmo assim consegui me virar" discuti comigo mesma.

Sem muitas escolhas, eu apenas acelerei meu passo até alcançar a fila enorme de pessoas querendo tirar proveito daquele ótimo preço. Demorou algum tempo até ser minha vez e quanto mais eu me aproximava dos atendentes atrás de um painel, mais dúvidas me acometiam.

— Próxima — finalmente chamou a atendente, fazendo meu coração disparar.

O momento havia chegado.

Apresentei meus documentos e os da Mabel e fiquei observando enquanto a mulher preenchia os dados na tela de computador. O pavor se alastrava em mim minuto após minuto e eu respirava de modo acelerado e roía a unha do indicador.

"É isso, Senhor? Essa promoção é um sinal verde? Eu devo ir?" questionei olhando para cima e depois voltei-me para mulher ajustando os últimos detalhes da compra.

— Senhora? Sinto muito, o sistema caiu de novo. — Ela deu um sorrisinho nervoso. — É muita gente comprando ao mesmo tempo, sabe?

Engoli em seco e senti os olhos encherem de lágrimas novamente. Aquilo só podia significar uma coisa.

— Ah, não...

— Não chore, por favor — ela pediu alarmada com meu comportamento. — Fique tranquila, espere um minutinho ali naqueles bancos, daqui a pouquinho o sistema volta e eu te chamo. Você e sua bebezinha vão poder viajar tranquilas, tá bom?

Balancei a cabeça positivamente, peguei meus documentos de volta e, em prantos, eu trilhei o caminho, mas não para os bancos como a mulher instruiu e sim em direção a saída da rodoviária.

Eu estava apavorada, mas Deus foi claro. Muito claro, aliás.

"Tudo bem, eu confio em Ti. Mas o que o Senhor deseja que eu faça agora?" interroguei em pânico.

A resposta não veio tão rápida como a anterior, por isso, resolvi esperar alguns instantes na parte externa do local antes de finalmente retornar ao Instituto.Talvez eu só estivesse querendo adiar o inadiável. A verdade é que agi feito uma tola tomando a preciptada decisão de partir, e lidar com isso não era nada fácil.

— Está na hora da sua mãe encarar as consequências, filha — declarei para Mabel que naquele instante me encarava e mordia a própria mão.

Saí procurando pelos derredores do local algum táxi disponível para nos levar de volta e já estava atravessando a rua para chegar ao concentrado de carros brancos quando fui encurralada por carro preto ao qual eu reconheci no mesmo instante.

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now