XIII - A moça dos olhos ansiosos

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Agradeci ao homem e saí, um tanto confuso e ainda bastante irritado com a atitude de meu amigo.

Mas, afinal, onde estava a moça? Tratei de abstrair a raiva e me concentrar nisso. Era possível que houvesse se confundido em relação ao nome do hotel. Então outra ideia me ocorreu. Teria sido mesmo um engano ou ela deliberadamente havia me ocultado o próprio nome e mentido sobre o local onde estava hospedada?

Quanto mais eu pensava nisso, mais me convencia de que esta segunda hipótese era a verdadeira. Por uma razão ou outra, ela não me parecia interessada em deixar a amizade amadurecer. E, embora esta exata ideia fosse minha cerca de meia hora antes, não era nada confortável pensar que ela me desprezasse daquele jeito. A situação toda era profundamente insatisfatória e acabei indo para a Villa Geneviève em absoluto mau humor. Em vez de entrar na casa, segui direto pela alameda até o banquinho próximo do galpão e lá fiquei remoendo meus rancores.

Fui distraído de meus pensamentos pelo som de vozes que se aproximavam rapidamente. Logo percebi que provinham não do pátio onde eu estava, mas do jardim ao lado, na Villa Marguerite. Uma voz de moça, pude reconhecer instantaneamente, era da bela Marthe.

— Chéri — ela dizia —, é mesmo verdade que todos os nossos problemas não existem mais?

— Você sabe que sim, Marthe — respondeu Jack Renauld. — Agora, nada mais poderá nos separar, querida. O último obstáculo para nossa união já não existe mais. Nada mais pode afastar você de mim.

— Nada? — a garota murmurou. — Oh, Jack... Jack... Tenho tanto medo.

Preparei-me para sair ao perceber que estava bisbilhotando quase sem querer. Quando me pus de pé, pude vê-los perfeitamente através de uma pequena falha na sebe. Eles estavam bem diante de mim, o rapaz abraçado à moça, seus olhos fitando os dela profundamente. Formavam um casal esplêndido: o rapaz moreno, forte e bem proporcionado, e a jovem deusa. Pareciam ter sido feitos um para o outro, exalando felicidade apesar da terrível tragédia que desabara sobre suas vidas.

O semblante da moça estava pesado, todavia. Jack Renauld pareceu perceber sua inquietação e perguntou, enquanto a trazia mais próximo de si:

— De que você tem medo, querida? O que restou para se temer... agora?

Então pude notar a expressão de seus olhos, aquela que Poirot tanto enfatizara. Creio que até pude adivinhar o que ela disse em seguida:

— Tenho tanto medo... por você.

Não ouvi a resposta do jovem Renauld porque minha atenção se voltou para alguma coisa muito estranha pouco abaixo, camuflado próximo à sebe. Parecia haver um arbusto amarelado ali, uma coisa de fato esquisita para um verão que mal acabara de começar. Caminhei em direção a essa coisa para entender do que se tratava, mas, antes que eu fizesse qualquer coisa, esse "arbusto amarelado" precipitou-se para frente e me encarou com um dedo sobre os lábios. Era Giraud.

Muito cauteloso, puxou-me em torno do galpão até atingirmos um ponto onde não mais poderiam nos ouvir.

— O que está fazendo aqui, exatamente? — perguntei.

— A mesma coisa que você: escutando.

— Mas eu não estava lá de propósito!

— Ah! — disse Giraud. — Eu estava.

Como de costume, meu sentimento por aquele homem era de admiração e desprezo ao mesmo tempo. Ele me olhou de cima a baixo com um jeito de completo desdém.

— Você não ajudou em nada aparecendo por aqui. Eu poderia ter ouvido alguma coisa importante minutos atrás. Onde está aquele fóssil do seu amigo?

— Monsieur Poirot foi para Paris — respondi secamente.

Giraud estalou os dedos e falou, em tom depreciativo: — Quer dizer que foi para Paris? Enfim, fez algo que preste. Quanto mais longe ficar, melhor. Mas o que ele pensa que vai conseguir indo para Paris?

Percebi em sua pergunta um toque de desconforto. Resolvi me conter.

— Isso eu não estou autorizado a lhe revelar — afirmei, com tranquilidade.

Giraud encarou-me com seu olhar penetrante.

— Ele deve ter juízo suficiente para não revelar nada a você — observou, com a maior grosseria. — Boa tarde. Estou ocupado. — E, revolvendo-se sobre os calcanhares, partiu sem cerimônia.

As coisas pareciam inalteradas na Villa Geneviève. Giraud evidentemente dispensava minha companhia e, pelo que pude constatar, Jack Renauld parecia ter o mesmo sentimento.

Voltei para a cidade. Aproveitei para tomar um bom banho e dormir cedo, esperando que o dia seguinte nos trouxesse alguma novidade interessante.

Eu estava completamente despreparado para receber o que ele traria de verdade. Estava tomando meu café da manhã no hotel, quando o garçom, que estivera conversando com alguém do lado de fora, retornou ao salão demonstrando agitação. Ele hesitou por alguns instantes, torcendo o guardanapo de um jeito peculiar entre os dedos e então declarou:

— Perdoe-me, monsieur, mas creio que o senhor está investigando o caso da Villa Geneviève, não está?

— Sim — respondi, curioso. — Por quê?

— O senhor ainda não soube da novidade?

— Que novidade?

— Houve outro assassinato lá esta noite!

— O quê?

Deixei o café pela metade, peguei meu chapéu e saí correndo para a mansão. Outro assassinato... e Poirot ausente! Que fatalidade. Mas, afinal, quem fora assassinado dessa vez?

Entrei pelo portão da villa em disparada. Algumas empregadas estavam no pátio de entrada conversando e gesticulando. Tomei Françoise pelo braço e perguntei:

— O que aconteceu?

— Oh, monsieur! Monsieur! Outra morte! Que coisa horrível! Há uma maldição nesta casa! Ah, não tenha dúvida, é uma maldição! É preciso chamar o padre para benzer este lugar. Ah, não vou dormir nem mais uma noite aqui! Vai que resolvem me pegar também!

E fez o sinal da cruz.

— Compreendo, Françoise... mas quem foi assassinado?

— E eu que sei? Um homem... um homem desconhecido. Encontraram-no lá... perto do galpão... não muito longe de onde encontraram o pobre monsieur. E isso não é tudo. Ele foi apunhalado... no coração... com o mesmo punhal!

O assassinato no campo de golfe (1923)Where stories live. Discover now