As rosas agora despedaçadas e espalhadas no chão haviam sido há exatos vinte e três minutos as mais belas da floricultura. Ao escolhê-las, Amelina levou em conta sua cor, sua textura e o estado das pétalas. De um branco único e resplandecente, as delicadas pétalas pareciam seda sob seus dedos, que cuidadosamente as resvalaram.
Após sair da loja, notou os olhares direcionados às flores e seu sorriso foi uma mistura de orgulho e alegria. Uma garotinha de mãos dadas com a mãe sorriu para as flores e Amelina, encantada com a doçura de seu sorriso, tirou uma rosa do magnífico buquê e a entregou a ela.
Ao virar a esquina da Rua Esperança e adentrar a Rua Aquistou, Adelina avistou três policiais cercando um homem de pele escura, feições assustadas e com uma sacola de compras na mão.
- Eu... por favor, eu não fiz nada. Me deixe ir, por favor - o homem dizia, balbuciante, enquanto levantava a mão livre acima da cabeça.
Um dos policiais, sem dizer qualquer palavra, chutou o joelho esquerdo do homem, fazendo-o desequilibrar e ir ao chão, assim como suas compras, que se espalharam sobre a calçada.
- Ei - gritou Amelina. - Ele estava se rendendo.
A cebola que caiu da sacola do homem rolou pela calçada até ir de encontro com o pé de Amelina, e ela a olhou com uma expressão dividida entre choque e compreensão.
Amelina caminhou a passos rápidos até o grupo, onde o homen continuava de bruços no chão e os policiais ameaçavam atacá-lo novamente. Ela abriu caminho por entre dois policiais e se agachou ao lado do homem. Colocou as flores no chão ao lado dele, tocou-o no ombro e perguntou:
- Senhor? Consegue levantar?
O homem olhou assustada para ela, se perguntando se era louca a ponto de contestar a autoridade de um oficial.
- Saia daqui - ele sussurrou para que apenas ela fosse capaz de escutar. - Eles vão bater em você também.
Um dos guardas - o mesmo que agrediu o homem com as compras - segurou um dos braços de Amelina com força e a fez levantar, tropeçando nos próprios pés.
- Por que não vai cuidar das sua flores, senhora, e deixe os homens fazerem seus trabalhos? - ele disse, fazendo os outros dois soltarem risadas debochadas.
Amelina puxou seu braço do aperto do oficial, respirou fundo e disse:
- As minhas flores não estão sendo agredidas, por isso acho que podem esperar. Este homem, no entanto, acabou de ser derrubado por vocês - e apontou para o homem de bruços.
- Ora, isso é um problema fácil de ser resolvido - disse o policial que estava mais próximo das flores e que, quando Amelina se virou para ele, colocou um pé sobre elas e o arrastou - como se faz para tirar sujeira de sob os sapatos -, destroçando-as.
Ela soltou um suspiro de surpresa, sussurrou um não e se inclinou para tentar repara o estrago feito pelo guarda; porém, antes de chegar às flores, o mesmo guarda que a tinha levantado do chão segurou novamente seu braço e a encarou com uma expressão colérica.
- Já disse para ir embora. - E a empurrou para longe do grupo, fazendo-a tropeçar em um pequeno buraco e, atordoada, bater a base da cabeça na sarjeta. Rolar um pouco, apenas para ficar de lado, foi todo o movimento que conseguiu fazer.
Os policiais ficaram a encarando por alguns minutos, antes que o que a empurrara dissesse para o homem, ainda no chão: - Olha o que você me fez fazer. Isso é tudo culpa sua. - E junto com a última palavra, deferiu um chute em suas costelas, forte o suficiente para se fazer ouvir um som de osso fraturado; não levou nem um segundo para que os outros dois se juntassem a ele para espancar um homem no meio da calçada, a plena luz da tarde, onde qualquer um poderia ver, mas ninguém parecia fazer nada.
Que absurdo, pensou Amelina. Não sei nem o nome dele.
Os policiais, aqueles que são designados para proteger e guardar a vida, não demoraram muito no que estavam fazendo e saíram correndo, deixando Amelina e o homem sem nome caídos na calçada, com seus últimos fios de consciência lhes escorrendo pelos dedos.
E as flores, uma vez belas mas agora destruídas, foram sua última visão antes de a escuridão a tomar por completo e, com alguma sorte - se é que existe tal coisa - tirá-la dali.
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As Flores Sobre as Quais Pisamos
Short StorySão em momentos dolorosos como este que descobrimos a possibilidade de redenção sem perdemos nossa frágil humanidade.