A guerra de 500 anos

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A visão começa a voltar, assim como os outros sentidos. O ruído surdo começava a diminuir sua intensidade para dar lugar ao som de metal se chocando com metal. Faíscas brilharam pelo céu nublado daquela tarde. O chão tremia, a areia dentro de suas feridas o incomodava, não tanto quanto o gosto de sangue em sua boca. O couro de sua armadura estava rasgado e coberto de sangue, assim como o cascalho sob seu corpo. O ar estava úmido, ao mesmo tempo era difícil respirar. Dentre as nuvens escuras que cobriam os céus sobre aquela planície estoura um trovão de cor púrpura, como era possível? Trovões roxos não deveriam existir, jovens não deviam ir para a guerra, e com certeza ele não devia estar ali. Mas gostando ou não ele estava, e se fosse lutar não seria para perder.

O jovem se levanta e vê o campo de batalha: uma planície extensa que estava repleta de grama, cascalho e areia, a planície terminava em um conjunto de colinas, e do outro lado estava o mar. Um navio estrangeiro estava atracado, mas era muito estranho, não parecia um navio português que costumava ancorar ali. Esse navio era feito de madeira negra, possuía dezenas de lanças metálicas saindo da frente do casco, apontadas para a dianteira. A embarcação esbanjava grandes velas negras com um símbolo vermelho no centro.

O chão estremeceu, logo a atenção do garoto foi chamada por uma forte colisão. Um homem, com cabelos grisalhos, forte, trajando uma armadura metálica e segurando uma espada, se choca com outro. Esse era muito maior do que o anterior, ele usava uma armadura preta e vermelha e usava uma máscara de monstro, além de estar usando uma alabarda para lutar. Os dois lutavam ferozmente, a cada golpe bloqueado o campo de batalha estremecia, era uma briga de gigantes.

O jovem recobra totalmente seus sentidos, mas agora havia algo diferente, ele havia sentido algo quando estava a beira da morte, desde então não se sentia o mesmo. Nada havia mudado, mas tudo estava diferente, ele estava ouvindo diferente, vendo diferente, sentindo diferente... mesmo assim... não sabia dizer o que havia mudado. Mas então ele ergue o olhar.

Onde antes estavam os guerreiros agora havia algo inacreditável. O primeiro guerreiro havia ganhado uma espécie de aura, como uma luz intensa, e sua espada havia triplicado de tamanho, era quase impossível alguém saber usar uma arma tão desproporcional. Do outro lado o outro guerreiro também havia mudado, não era mais o mesmo... não era nem mais humano... Um ser esguio se ergue, era alto como uma árvore, amedrontador como uma fera, a alabarda havia sumido e dado lugar à um grande e esguio braço, do topo de sua cabeça saíam espinhos tortos, como uma espécie de coroa, para o rei dos monstros. O corpo da criatura era como uma penumbra, não, era mais como uma sombra, a sombra, um escuro tão profundo que era como se consumisse toda a luz do mundo só de existir... como um buraco negro.

O ser volta seus furiosos e hipnotizantes olhos vermelhos para o jovem, que congela no mesmo instante. Era impossível, uma coisa dessas não existe, ele devia ter levado uma pancada muito forte na cabeça, quem dera, ele olha em volta e vê essas criaturas por toda a parte, matando, lutando, comendo...

O rei das criaturas levanta o braço e o desce em uma velocidade absurda, para destroçar o jovem. A areia é jogada para os céus somente com a pressão do golpe, até mesmo o cascalho do chão foi levado pela forte corrente de ar. Toda a poeira levantada máscarava o que havia acontecido de fato, mas quando ela baixa, a cena é revelada:

O guerreiro grisalho havia bloqueado o poderoso golpe da sombra, sua espada canalizava uma espécie de luz em veios no metal. O jovem, atônito, fica sem acreditar no que estava acontecendo. O guerreiro olha para o jovem e solta um meio sorriso.

- Vá! - diz o guerreiro.

No mesmo instante o jovem se vira e corre com todas as suas forças. Ele passa por dezenas de guerreiros e monstros que estavam se matando. Lágrimas escorriam de seus olhos, poeira saia de seus cabelos, e uma luz forte se formava em volta de seu corpo. Ao olhar para trás uma última vez ele consegue ver o guerreiro saltando contra o monstro, saltando para a morte...

Andantes das SombrasWhere stories live. Discover now