Segunda-Feira. 20 de março / Érika

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Hoje é o meu primeiro dia no trabalho. Completei 18 anos semana passada e nesses 18 anos e 6 dias o único dia que tive que posso dizer que fui feliz foi quando fui adotada pelos meus tios, Júlio e Marta, e eu não me lembro de nada antes, só me lembro da minha vida com eles. Eles são pessoas boas e amorosas, mas não são meus pais o que sempre me deixa sem graça de pedir algo ou até mesmo de conversar sobre sentimentos, por isso decidi trabalhar! Meus tios ficaram muito entusiasmados com a ideia, até porque eles precisam de ajuda com as contas, estão passando um aperto financeiro desde que o seu filho de sangue, Pedro, se envolveu com drogas e começou a roubar por achar divertido.
O Pedro é bem bonito, tem uma aparência exótica, cabelos até o ombro e mais pretos que jabuticaba e olhos castanhos mel e um sorriso que tira o fôlego de qualquer mulher que passa e o vê. Confesso que já fui apaixonada por ele, mas isso foi coisa de criança, a personalidade dele é muito forte e ele sempre está me tratando com ignorância e na escola eu era motivo de piada por causa dele, ele sempre contava para todos que eu era adotada e que ele tinha pena de mim, as pessoas conversavam comigo por dó, pelo menos as educadas né, porque as más me colocavam apelidos como "coitadinha" "depressiva" e o pior de todos "órfã". Mas graças a Deus eu me formei há 3 meses e consegui um emprego na lojinha de materiais de construção a dois quarteirões de casa e hoje é o meu primeiro dia e tenho que causar uma ótima impressão, por isso estou aqui pensando se vou de calça jeans ou moleton, já que está meio feio lá fora. É o primeiro dia de outono e os dias são chuvosos aqui, eu odeio esses dias, pois já tenho azar em dias ensolarados mas em dias chuvosos isso aumenta 300%.

Desço as escadas correndo, decidi por fim ir de calça jeans, a camisa de uniforme que me deram é azul marinha e tem a logo de um martelo com a escrita "Renovar" que é o nome da loja. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo já que sei que ele fica rebelde nesses dias.
Vou para cozinha pegar uma fruta para comer no caminho, quando entro lá, Pedro está de costas, sem camisa e com uma calça de pijama meio surrada, aposto que ele não coloca está calça para lavar há dias, ele está com um leve coque no cabelo e não eu não sei o que ele está fazendo, uma vasilha de ceral? Abrindo um biscoito? Entro na cozinha quieta, torcendo para que ele não me repare e comece com as dosagens de crueldade logo de manhã, logo nesta manhã.

- Bom dia Érika! - ele se vira e me encara - você acha que é algum tipo de ninja que não faz barulho? Alô, até a sua respiração é insuportável.

Só preciso pegar a fruta e sair é só o que preciso fazer. Eu o ignoro por completo, aprendi que essa é a melhor maneira de se conseguir viver nesta casa sem ser um estorvo para meus tios. Pego a maçã e uma goiaba, sinto os olhos dele em mim, mas me controlo ao máximo para não virar e encara-lo, pois é isso que ele quer, me tirar do sério.
Saio da cozinha sem responder ele e sinto que hoje vai ser um dia bom. Estou descendo a rua para ir pro trabalho quando escorrego em uma poça de água e todo aquele otimismo cai junto com meu corpo, estou com as costas doendo e as calças sujas de lama e parece que levei um choque, pois meu cabelo está terrivelmente arrepiado. Comecei a segunda feira como sempre, com o pé esquerdo e a mão esquerda também.


Estação - Outono Where stories live. Discover now