— Sei bem o que você está pensando nessa sua mente prodigiosa, Crânio — Andrade sorriu tristemente — E vocês dois também. Sei que estão se sentindo culpados por saberem pouco de mim dos últimos anos, mas não quero que se sintam assim. Ninguém tem culpa de nada.

— Nós deveríamos ter vindo antes — os lábios de Magrí tremiam — Sinto muito, Andrade.

Andrade balançou a cabeça.

— Vocês não vieram de tão longe para ficar se desculpando. Vocês estão aqui, certo? É isso o que importa — ele suspirou — Depois que soube do câncer, depois que sabemos que o tempo de vida encurtou, a gente coloca muitas coisas no lugar. Entende meus queridos?

Ele bebericou do chá como se estivesse numa conversa despreocupada falando sobre o tempo.

— Vocês ainda são muito jovens e talvez não entendam agora... — continuou — Mas no dia que vocês envelhecerem, talvez compreendam o que esse velho pançudo está dizendo. Para que eu vou guardar mágoa de uma coisa que ninguém tem culpa? Oras, bobagem!

Os três amigos não pareciam muito convencidos daquilo. Andrade se levantou esticando as pernas e se dirigiu até a entrada da sala.

— Venham comigo.

***

Os quatro foram até o quintal atrás do sobrado onde havia uma pequena horta de alfaces e hortelãs. Andrade cuidava da horta como se cuidasse de um filho e Chumbinho tentou (falhando) segurar o riso pelo avental ridículo que Andrade colocou quando adentrou a plantação. Magrí, que tinha desenvolvido uma obsessão por plantas, passou a ajudar o velho amigo com as hortelãs que cresciam. Crânio e Chumbinho apenas se entreolhavam se sentindo burros por não entender porque eles ficavam conversando com as mudas (e já não mais disfarçavam a risada).

— Olha para esses dois bobos, Magrí — conspirou Andrade — Estão rindo da gente.

— Não liga, Andrade — Magrí riu enquanto cortava algumas mudas fora — Eles adoram tirar sarro de mim quando vou conversar com as minhas margaridas e cactos. Eu consegui um cantinho novo para os meus cactos no meu apartamento? Estão lindos!

— E você pretende levar suas margaridas e cactos depois que casar? Espero que não precise se desfazer deles — Andrade riu.

Magrí corou e riu. Acenou rapidamente para os dois rapazes que conversavam a uma curta distância de onde estava. A moça estava mais aliviada por perceber que Chumbinho estava mais calmo e até ria junto com Crânio — nem parecia que tinham falado de morte minutos antes.

— Crânio vai ter que se acostumar com eles, eu já avisei. Ele não gosta muito por causa dos bichinhos que aparecem...

Andrade a fitou de soslaio e mediu muito bem as palavras quando perguntou:

— E como Miguel reagiu à notícia do seu casamento?

Se Magrí não tivesse desenvolvido muito bem o seu autocontrole, teria derrubado a tesoura de poda nos próprios pés. Mas era visível o susto que levou pela pergunta. Num estalo virou a cabeça para fitar Andrade que a encarava de volta com um fraco sorriso.

— Eu posso ser muitas coisas, mas não fui e nem sou cega, querida... Sei que parece que estou sendo enxerido, mas realmente me preocupo. Era nítido que o carinho que ele tinha por você não era algo somente platônico...

As mãos de Magrí tremeram e ela piscou algumas vezes. Ao longe ouvia Crânio e Chumbinho conversando e pareciam distraídos demais para prestar atenção nela e em Andrade. O que deveria dizer?

— As coisas com o Miguel ficaram um pouco.... interminadas — Magrí mordeu o lábio e suspirou — Acho que ele ainda não sabe de nada.

— Ah... entendo — Andrade baixou os olhos para as plantas.

Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas)Where stories live. Discover now