Os anos na companhia deles foram um dos mais felizes da vida de Andrade. Sem querer, ele passou a olhá-los como os filhos que nunca teve (e não teria mais...) mas vê-los já crescidos trouxe a dor de qualquer pai ou mãe, aquela dor característica ao perceber que o filho já não era mais dependente e podia andar com as próprias pernas...

Pensar naquilo trouxe a lembrança de outra pessoa, lembrança essa carregada de tristezas e arrependimentos ainda maiores... Pobrezinha da Dolores, pensou.

Chumbinho, agora mais calmo, tirou Andrade dos seus devaneios tristes:

— Você tem certeza de que não há esperança, Andrade? Por que escondeu isso da gente?

— Não quero que se preocupem com os meus problemas de velho, Chumbinho — Andrade tentava soar otimista — Hoje tenho mais um dia de vida, certo? Por que não aproveitá-lo e pensar no amanhã depois?

Chumbinho trincou os dentes querendo protestar, mas o olhar de Crânio para o rapaz o silenciou. Chumbinho bufou irritado, mas se resignou a ficar quieto. Andrade mudou completamente de assunto se dirigindo a Magrí e Crânio:

— Vejo que tenho de parabenizar vocês dois! Quando será o casamento tão esperado, hum?

Magrí abriu um leve sorriso e Crânio segurou a mão dela.

— Esperamos que já no início do ano que vem — respondeu o rapaz — E você está convidado, Andrade.

— Faz muito tempo que eu fui num casamento! Acho que o último que compareci foi de um velho amigo de trabalho há uns cinco anos... — Andrade suspirou — Estou feliz de vocês dois não vão ter um longo noivado...

Ele ficou pensativo novamente pelas lembranças que jorraram em seus pensamentos. Magrí que conhecia mais a vida de Andrade do que os outros Karas sabia para onde estava indo o curso das lembranças do amigo.

— Eu imagino que você e Dolores... — começou ela timidamente.

— Quem é Dolores? — Crânio franziu a testa e Chumbinho imitou o gesto.

Andrade empalideceu. Era engraçado que poderia conversar sobre sua doença tranquilamente, mas quando aquele assunto vinha à tona...

— Não, Magrí. Não. Você sabe bem que ela merecia algo melhor... Melhor do que eu.

Magrí fechou a cara.

— Não acredito que você se afastou dela. Vocês já poderiam estar casados até hoje, Andrade! Você não teria ido embora.

— Para quê? Para ela ficar preso a um velho gordo e careca com o pé na cova?

— Ora, Andrade vocês têm quase a mesma idade! Ela só um ano mais nova do que você!

— As coisas não são tão simples assim, Magrí minha querida...

O silêncio caiu de novo. Um pouco impaciente por não estar entendendo mais nada da conversa, Crânio se dirigiu a Andrade:

— O que aconteceu com você, Andrade? Eu sei que os últimos anos foram difíceis para todo mundo e acabamos perdendo o contato, mas eu não esperava...

Crânio parou sem saber como continuar, pois tinha medo do que queria dizer — o pensamento triste de que o grande detetive Andrade, um dos seus heróis, um dos homens que mais admirava estava terminando os seus dias num velho sobrado, doente e cuidando da mãe meia surda. O que diria Calú sobre isso? E Miguel? Como Miguel ficaria abalado quando soubesse...

De repente sentiu o estômago afundar. Para falar a verdade, todos eles por causa das responsabilidades (estudos, trabalhos, viagens) foram se afastando cada vez mais do velho amigo, um afastamento natural por falta de tempo, isso ou aquilo, desencontros... E ali estavam eles exigindo como se fossem inocentes de uma informação que se eles tivessem se preocupado com Andrade antes, já estariam a par de tudo e quem sabe até teriam o ajudado muito mais cedo!

Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas)Where stories live. Discover now