Elisa

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O sol havia acabado de nascer. Thiago encostou o carro na estrada de terra, atento aos buracos e erosões, e saiu do carro. Tinha menos de trinta anos, pele negra, cabelo curto e uma barba bem aparada que cobria o queixo, as bochechas e emendava no bigode. O corpo era forte, mas não parecia atlético. Aproveitando a luz, ele verificou o mapa – o sinal de internet não alcançava – e conferiu o endereço em um recorte dos classificados.

Não fosse o cheiro de jornal novo e a tipografia moderna, o anúncio seria igual a uma oferta de trabalho a mercenários medievais, cheia de meias palavras. Ele não era o único a caçar criaturas sobrenaturais, tampouco era o primeiro, e sempre fora assim que a população se comunicava com estes caçadores. Para caçar mitos e rumores, era mais fácil se tornar também um mito, um rumor.

Ligou o motor, acelerou até uma porteira e buzinou três vezes, como era o costume dos caçadores. Um homem velho apareceu para recebê-lo. O caçador entrou com o carro e parou perto da pequena casa, que não ficava muito longe, e aguardou enquanto o velho fechava a porteira.

Por dentro, a casa parecia um boteco limpo às pressas. Tinha um cheiro de álcool, manchas de bebida ainda úmidas e um chão de cimento bruto sem qualquer revestimento. Na sala, além de um sofá velho, havia um pequeno balanço em forma de cavalo e um tapete enrolado. Os dois passaram reto pela sala e puxaram duas cadeiras na cozinha, onde o cheiro de álcool era ainda mais forte, além de exibir copos ainda sujos sobre a pia.

O fazendeiro aparentava ter mais de cinquenta anos, calvo e quase totalmente grisalho, barba malfeita e cheia de falhas. Tinha um leve cheiro de bebida, mas parecia sóbrio e preocupado. Seu nome era Antônio da Silva, comum à época. Quando Thiago começou a perguntar ao velho sobre os detalhes do ocorrido, ele assumiu uma expressão tensa, neurótica.

– Faz duas semanas – coçou a cabeça – É um bicho bem grande, assusta o gado e o cachorro. Põe fogo em tudo. Deixa marcas de cascos, mas não é cavalo não. – pigarreou – É bicho ruim.

– "Bicho ruim"? – Thiago juntou as sobrancelhas, mais para esconder o riso do que pela preocupação. Ele se divertia com a ignorância das pessoas comuns – Acha que é algum animal?

– Não sei – Antônio parecia perdido em pensamentos. – Ataca sempre entre a quinta e a sexta. Nunca vi animal saber o dia da semana. Já perdi uma plantação inteira na última semana. Tentei caçar, mas não achei o bicho. Só ouvi o barulho.

– Preciso investigar a área. Mande sua família ficar em casa.

– Sou viúvo.

– E a criança? Vi o brinquedo na sala.

– Meu filho morreu bem antes de minha esposa.

– Meus pêsames – disse o mais jovem, encerrando a conversa.

Thiago levantou e se dirigiu ao porta-malas do carro, pegando um embrulho de pano marrom do tamanho de um antebraço. Voltou à mesa da cozinha, abrindo o embrulho e revelando uma arma incomum. Era uma garrucha europeia, da época da Revolução Francesa, de empunhadura branca e cano prateado, com uma cruz gravada próximo à base. Apesar de antiga, a arma estava em perfeito estado de conservação.

– Tenho espingardas de caça guardadas – o fazendeiro estranhou a arma– Podem servir mais do que isso aí.

– Se essa coisa for o que estou pensando, armas comuns só vão irritá-la – Thiago respondeu friamente enquanto continuava a preparar a arma.

– O que acha que é? – o velho arregalou os olhos e contraiu os ombros.

– Quero ver os rastros primeiro. Pegue uma espingarda, só por precaução. – o caçador prendeu a arma antiga a uma bainha que tinha no cinto. – E me mostre onde ela atacou.

ElisaWhere stories live. Discover now