— Isso não é uma novidade pra mim — afirmei, mantendo um sorriso debochado nos lábios.

— Sim, eu sei. — Victor olhou um pouco para os lados e parecia desconfortável. — Desde criança, nem eu ou minha irmã tivemos oportunidade de ouvir do evangelho como você, Sarinha. Meus avós eram cristãos, e sabendo disso meu pai nos impediu de visitá-los e a briga era feia quando eles vinham pra cá e tentavam anunciar algo sobre sua fé. — Ele fez uma pausa e falou maravilhado: — Mas, é incrível como a voz do evangelho se faz ouvir onde Deus quer e ninguém pode impedir.

Permaneci atenta àquelas palavras profundas e nem acreditei quando as ouvi saindo da boca de Victor com tanta convicção.

— Quando meu pai sofreu a doença, ele estava no auge da carreira. Dizia por aí, ser  imbatível, mas perdeu os movimentos do lado esquerdo, não podia falar direito e foi obrigado a depender dos outros para as mais simples tarefas básicas. — As lágrimas nos olhos do médico contribuíram para um nó ser formado em minha garganta.

— Não deve ter sido fácil pra vocês — tentei mostrar alguma empatia.

Victor concordou com um manejo de cabeça. — O temperamento dele era terrível e ele ficou dias enfurnado no quarto, não conversava com ninguém. Talvez, estivesse envergonhado da sua própria condição — refletiu consigo mesmo. — Mas, um dia ele recebeu a visita da minha avó Rita. Ela não aceitou nossas restrições e foi ao encontro do filho de qualquer maneira.

Victor parecia estar cercado com suas próprias memórias e quando fazia suas pausas demorava para prosseguir novamente de onde parou. 

— Testemunhei o encontro deles e ouvi quando depois de consolar o filho, dona Rita, o chamou ao arrependimento, dizendo em prantos: "Há algo pior em você do que essa doença, Carlinhos. Seu coração é corrupto e, sem Cristo, você morrerá e irá para o inferno, meu filho. Arrependa-se, por favor, arrependa-se enquanto há tempo". — Victor ergueu aqueles olhos úmidos em minha direção e eu precisei resistir fortemente ao ímpeto de abraça-lo. — Ostentando arrogância, eu pensei em milhares de respostas podres a serem dadas por meu pai a minha vó, mas isso não aconteceu. Foi o contrário...

Ele olhou para baixo e eu vi a lágrima escorrendo pela sua bochecha. Estava sendo difícil me manter firme e inabalável diante daquela história repleta de sentimentalismo.

— Eu vi aquele médico tão cheio de si, chorando pela primeira vez em toda a minha vida e era de puro desespero, Sarah. Ele só parou quando ela fez o apelo, incentivando meu pai a confiar toda a vida a Cristo. — Victor sorriu consigo mesmo e soltou o ar pela boca, tentando, talvez aliviar suas emoções. — Fiquei em choque com aquilo por quase um mês, pois à partir daquele dia, papai foi definhando cada vez mais rápido, porém ele não era mais o mesmo! Era outro homem. E quando ele ficou totalmente dependente, incapaz e enfim morreu, eu precisei ir atrás do motivo daqueles sorrisos sinceros que ele dava mesmo passando por um inferno. Por isso, procurei minha avó e a questionei sobre tudo, sem esconder minhas frustações e sabe o que ela fez? — perguntou e eu neguei com a cabeça. — Proferiu exatamente as mesmas palavras de vida eterna ditas ao meu pai e doeu muito ouvir sobre os meus pecados, sobre o inferno e a cruz, mas eu me arrependi e hoje, pela graça de Cristo sou salvo.

Quando ele terminou aquele discurso emocionado e enérgico, eu não soube bem como me portar e ou agir.

— Você não me deve explicações, Victor — eu disse depois de algum tempo e percebi a tristeza estampada no rosto dele.

— Sim, eu devo! — contrapôs e segurou minha mão com firmeza. — Agi como um canalha contra você, Sarah, entendo toda sua raiva e te peço perdão pela dor causadas na sua vida pelo antigo Victor.

Fiquei comovida por saber da verdadeira conversão do meu antigo namorado, mas eu ainda não confiava nele e mesmo com tudo contado, ainda havia muita mágoa acumulada em meu peito.

— Você acredita em mim? — perguntou ele como se estivesse lendo os meus pensamentos e eu apenas o encarei com pena. — Eu mudei tudo. Larguei minha vida de bebedeira pós-plantão e hoje tenho uma postura diferente em relação as mulheres e a todas as outras coisas.

— Pareceu o mesmo Victor garanhão de sempre com aquela tal Eliana — murmurei ranzinza, e mesmo assim ele escutou.

— Nossa, eu devo ser a pior pessoa do mundo em sua mente, não é? — questionou ofendido e eu dei de ombros.

— Sinceramente, depois de tudo, você realmente esperava algo diferente no meu tratar com você? Não ligo se é cristão ou não, eu quero distância de você, Victor — joguei a verdade na cara dele. — Aliás, se não tem mais nada para falar, eu estou indo embora. Obviamente essa conversa não vai chegar a lugar algum.

— E você, hein, Sarah? Sua atitude foi tão ruim quanto a minha e mesmo assim eu te perdoei — Ele acusou repentino, me deixando ainda mais confusa.

— Eu? Quais foram os meus crimes? — rebati indignada, aumentando o tom de voz.

— Preciso mesmo falar? Quer mesmo ter seus podres expostos aqui em público? — afrontou-me franzindo os olhos.

Cruzei os braços e mandei: — Fale!

Ele me olhou com seriedade. — Você me traiu — cochichou aquele absurdo para ninguém na padaria, além de mim, ouvir.

— O quê? Você está louco! Jamais te traí, Victor! — explodi irritada com todas aquelas injúrias.

— Eu sou médico e sei fazer contas, Sarah. A sua filha foi concebida em meados de dezembro quando você me jurava seu amor eterno — esclareceu como se aquilo fosse óbvio para mim.  — Agora, olhe na minha cara e diga a verdade.

— Quer a verdade, seu imbecil? Não passou nem por um minuto nessa sua cabeça de vento que a minha filha poderia ser sua? — perguntei cansada daquela conversa inútil. Nem pensei muito no grande choque contido nos olhos do médico, apenas aproveitei a oportunidade para usar todas as palavras ensaiadas em minha mente durante todo aquele tempo. — Não se faça de sonso agora, Victor. Você nunca quis saber da Maria Isabel, mandou eu aborta-la! Você é um ser desprezível. A pior pessoa do mundo pra mim, pois, se não fosse a misericórdia de Deus, eu poderia ter perdido a maior bênção dele na minha vida. É isso mesmo! Eu nunca usei aquele seu dinheiro sujo para matar minha filha, seguindo suas ordens. Por isso, apenas suma! Vá embora das nossas vidas de uma vez!

E sem esperar resposta, eu saí correndo tendo uma única certeza: ter encontrado o Victor foi um erro.

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now