Prólogo

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Triiiiim! — Olhei pro lado e não acreditei. — Cinco horas?! Mas já? Acabei de deitar... Vamos, "senhorita Andrade"! O dia te espera.

E assim fiz: levantei. Fiz meus exercícios matinais. Tomei um copo de água com limão. Um banho rápido. Não comi nada. Estou me adaptando à nova onda do jejum intermitente. Ao menos em dois dias da semana, faço um intervalo de 16 horas entre a última refeição do dia anterior e a primeira do dia seguinte. Fiz as contas:

— Hummm... Comi ontem às oito horas, mais dezesseis... Meio-dia!!! Afff... Força e foco!!

Enquanto pensava na grande quantidade de coisas que tinha que fazer hoje coloquei uma saia-lápis preta que emoldura meu quadril, de uma forma que me faz sentir sedutora. Uma regata cereja de cetim que contrasta com a minha pele morena e um sapato preto com salto Kitten Heel que havia ganhado. Ele me deixa elegante e ao mesmo tempo confortável. Fui para o banheiro me maquiar. Não exagerava muito, mas não conseguia sair de casa sem passar pelo menos base, lápis, rímel e um batom de cor forte, geralmente combinando com a cor da blusa. Virei minha franja para o lado, prendi os cabelos longos em um coque. Olhei no espelho e disse:

— Bom dia, senhorita Andrade! Vai arrasar! — Falei orgulhosa para o espelho antes de sair do banheiro.

Peguei um blazer preto com mangas três-quartos. Vesti. Olhei no espelho mais uma vez, mandei um beijo para mim mesma e, quando ia sair, antes de pegar as chaves do carro, olhei para minhas unhas:

— Ahhhhh! — Notei que uma das minhas unhas pintadas de vermelho estava descascando. — repeti meu mantra internamente — Impecável! Preciso estar impecável! — Agora que eu aprendi a me vestir como o meu chefe gosta, não quero me incomodar mais com isso.

Voltei retoquei o esmalte da unha, finalizando com um spray secante. Peguei a mochila que estava ao lado de minha bolsa e saí. Geralmente eu e minha tia íamos trabalhar juntas, mas hoje ela tinha compromissos em uma cidade vizinha, por isso eu estava indo ao trabalho sozinha.

Enquanto me aproximava do destino, olhando para o imenso arranha-céu que surgia ao longe, formado por cubos espelhados, lembrava de que fora construído em praticamente um ano e que ali dentro daquela caixa espelhada toda minha vida tinha mudado.

Recordo da minha adolescência e da meta de vida que tinha traçado: casar com um homem rico, poderoso e gostoso, tipo os CEOs dos livros que eu lia. Como morava na parte rural próxima à cidade de Gravataí, integrante da Região Metropolitana de Porto Alegre, tinha que dar um jeito de sair dali, senão aquele objetivo nunca seria alcançado. Cada vez as coisas iam ficando mais difíceis: estudar, trabalhar, viver. Com certeza, aquele lugar era muito pequeno para mim. A cidade até que não era longe, mas não tínhamos transporte público. Com o surgimento do Complexo Industrial Automotivo de Gravataí, os trabalhadores eram transportados pela própria empresa e quem não se sujeitasse a trabalhar na equipe de montagem, ficava ali como eu: ilhada.

Os executivos vinham de outros países, ou outras partes do Brasil. Geralmente, casados ou acompanhados de suas famílias. Já eu, como minha avó recomendava, não queria trabalhar ali. Eu queria mais...

Quando completei 15 anos, tive uma ideia:

— Vó, sabe a tia Nice?

— Sei, a minha filha.  Ainda me lembro disso. Qual é o seu plano agora, Sabrina?

— Enn..tãoo — gaguejei — E se eu morasse com ela? Lá eu poderia continuar meus estudos, trabalhar, mandar um dinheirinho para ajudar a senhora... a senhora já está na idade de sossegar, não precisa mais ficar vendendo bordados. Lembra daquela ideia de ser voluntária na igreja?





Pisquei o olho, e quando abri levei aquela buzinada. Distraí–me com as lembranças, nem vi que ao entrar na rotatória para o shopping tranquei um Civic preto que vinha logo atrás de mim. Olhei pelo retrovisor, dei uma risada amarela me desculpando e segui para o estacionamento. Eu estava sob pressão... Tinha acabado de tirar a carteira de motorista e recusado um carro vermelho lindo que o meu chefe, sem noção, tinha me dado. Definitivamente eu estava extremamente irritada nessa semana.

Segui caminhando em direção ao prédio, imponente não apenas por fora, mas por fabuloso também por dentro. Tinha uma ligação direta com o shopping, que  ficava ao seu lado, após a grade de vidro que separava seu estacionamento e a lateral do prédio. A entrada de granito bruto, desenhado em mosaicos abstratos e na parede acima da porta automática, as iniciais SSB — seguidas das palavras em inglês: Corporation and Business. No chão, um capacho vermelho do tamanho da porta.

Em cada uma das duas laterais da entrada, um segurança. Mais à frente havia uma catraca que permitia apenas a entrada de pessoas cadastradas e identificadas pela digital. Aos visitantes, era entregue um cartão de acesso, que era recolhido na saída. O piso era de porcelanato branco, branquíssimo. Muitas vezes parei para pensar em como era mantido daquele jeito, já que a quantidade de pessoas que circulava pelos quarenta e dois andares do prédio era grande. Quarenta. Corrigi-me em pensamento, sabendo que os dois últimos eram privados.

Nas paredes, obras de arte abstratas, pintadas de preto e branco. Em poucas partes, o branco e o preto se encontravam e surgiam tonalidades sutis de cinza, que só eram percebidas por quem se dedicasse a olhá-las atentamente. Em cantos simétricos, vasos pretos com desenhos de gravatás vermelhos, repletos de flores brancas da espécie Apiácea, que pareciam pequenos pinheiros com neves em seus galhos. Lembrei que em uma aula de biologia um professor havia mostrado fotos das duas plantas, fazendo menção a alguma relação com o nome da cidade. Havia também espelhos, muitos espelhos, estrategicamente espalhados, dando a impressão de que sempre tinha alguém olhando para quem passava, refletindo muito bem a excentricidade do seu proprietário.

Entrei no elevador, apertei o botão do quadragésimo andar onde eu trabalhava como assistente executiva do CEO Victor Hugo Scheffer, o dono do prédio e articulador de negócios imobiliários em nível local e global. Minha função era a de atuar diretamente com a rotina do senhor Scheffer: preparar sua agenda; organizar e direcionar contatos e reuniões; gerenciar a comunicação interna e externa; receber correspondências; fornecer suporte administrativo aos gerentes e suas equipes; filtrar tudo que pudesse incomodá-lo, tendo que deduzir inclusive, o que poderia ser um incômodo para ele. Eu sou a "personal organizer" dos negócios dele. O senhor Scheffer me moldou para pensar como ele. Agir como ele, contribuiu muito para minha formação profissional e pessoal. Nunca me chamou pelo nome. Para ele, sou a senhorita Andrade. Não sei o motivo de não gostar de nomes. Também nunca perguntei.

Executei por um tempo também, algumas atividades extras que não estavam em um contrato oficial de trabalho, mas sim em um tipo "diferente" de contrato que o Leo, um grande e atrapalhado amigo meu, fez nós dois assinarmos, durante um mês eu e o meu "chefe" nos conhecemos melhor e eu aprendi muito com ele em todos os aspectos de minha vida. 

                                                                                       ***

Estou muito feliz de compartilhar essa história com vocês! Se gostaram votem! Fiquem à vontade de compartilhar comigo suas opiniões. Bjks

A escolha de Sabrina (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora