- E-eu? S-sim, estou sim. Só estava pensando.

- Pensando em quê? Quer me contar algo? - Gelei.

- Quero, mas não posso. - Sussurrei olhando para baixo.

- O que? - Ela perguntou tentando me ouvir.

- N-Nada! Eu... tenho que ir, Natie. Já temos que sair daqui. O dia está corrido. - Natie riu do outro lado da tela.

- Tchau, Liv. Vê se não demora de falar comigo, nem de voltar. Precisamos de você! - Ela frisou o "precisamos" me deixando com uma pulga atrás da orelha.

Será que Natalie já sabia de tudo?

David Collins

Já faziam semanas que eu não colocava os pés para fora. Agradeci por poder trabalhar de casa. Meu humor estava tão ruim nesses últimos dias que seria capaz de falir só pagando danos morais. Parte de mim estava achando tudo isso um exagero, mas a grande maioria do meu corpo e mente não conseguiam funcionar sem ela.

Natalie tentara me animar por diversas vezes, tentara também descobrir o que se passa comigo, mas eu simplesmente tentava fingir que tudo estava bem, o que é a maior burrice considerando que até um cego conseguiria ficar ciente do meu estado caótico de tristeza e angústia.

O ponto alto dos meus dias era ouvir a voz de Livia através da webcam com Natalie. Eu me sentava no corredor, ao lado da parede do quarto de Natalie e ficava ouvindo a voz de Livia tempo suficiente para me sentir um pouco melhor. Elas falavam de mim e do meu estado ridículo e Livia parecia realmente se preocupar, o que aquecia um pouco meu coração.

Eu estava doido pra que ela voltasse só para tê-la por perto, mesmo que eu não possa dar a ela o que ela precisa, mesmo que eu não sirva para fazê-la feliz, a presença dela iluminava demais a minha vida, e eu só me dei conta disso depois de perdê-la ficando na escuridão.

E era exatamente assim que eu me sentia: na escuridão. Sem luz para trabalhar, para sair, para assistir. Sem luz para qualquer coisa. E literalmente sem luz, já que eu não era capaz nem de abrir as janelas do meu quarto.

Pela primeira vez em muito tempo eu estava de barba, e ficava de moletom em casa. Também não sentia muita fome, mas a sede dela não me largava. Só tentava me manter lúcido por Natie. Ela era minha única motivação.

Me sentia mal, além de tudo, por estar preocupando a Natie sem nem poder falar com ela, contar o que de fato está acontecendo. Eu não queria deixá-la preocupada. Eu quem devia cuidar dela, mas nesses últimos dias estava sendo ao contrário.

- Pai? - Ela bateu na minha porta e depois a abriu. - Não vem comer? Karen colocou o jantar na mesa, e está muito cheiroso...

- Obrigado, filha. Talvez mais tarde. Não estou com fome.

- De novo, pai?

- O trabalho está tomando muito meu tempo...

- Pai, eu sei que você está mentindo, só resta saber se é pra mim ou pra você mesmo.

- Natalie! - A repreendi, mas logo me calei admitindo que ela estava certa.

Natalie desde pequena sempre foi muito sensitiva. Ela me abraçava toda vez que eu estava abalado por alguma coisa mesmo não sabendo nem entender o que é a tristeza. Sempre amei isso nela, a forma como ela se importa com as pessoas, como ela cuida de quem ama.

- Você sabe que eu estou certa. - Ela colocou as mãos na cintura e eu ri, pela primeira vez em muitos dias. - Olha aí! É desse sorriso que eu gosto.

- É que você, minha filha... - Levantei para abraçá-la. - Me faz muito bem.

- Hmm, só falta me contar o que está acontecendo. - Ela ironizou a voz.

- Sabe, me deu fome. Vamos jantar? - A despistei. Pelo menos por hora.

O incrível cheiro do risoto me envolveu ainda enquanto descia a escada. Pela primeira vez em dias eu estava sentindo fome, o que era bom, mas nem de longe queria dizer que eu havia superado toda a história com Livia.

- Céus, Karen. O cheiro está maravilhoso! - Elogiei.

- Espero que aprecie o gosto também, Sr. Collins. - Ela sorriu carinhosamente para mim.

Karen já está na família há bastante tempo, chegou quando Natalie tinha apenas cinco anos e me ajudou muito na criação. Tentava dar a ela as melhores condições de trabalho, por sua idade já mais avançada e pelo carinho que criei por ela. Tenho medo do dia que ela precisar nos deixar.

- Natalie, você não tem fundo? - Perguntei quando ela preenchia seu segundo prato.

- Eu estou uma pilha de nervos com a Livia fora daqui, preciso comer! - Rimos.

- Natie...?

- Sim, pai?

- Quando... - limpei a garganta. - Quando a Livia volta? - Natalie abriu um sorriso estranho.

- Mês que vem, pai. Acredita que vamos passar as festas de fim de ano sem ela? Vai ser uma droga, não é?

- Demais. - Disse sem pensar. Natalie riu de novo.

- Mas, por que a pergunta?

- Por... por nada... era só curiosidade...

- Pai...?

- Sim, Natie?

- Quanto tempo mais você vai esperar? - Puta que pariu.

Eu estava completamente congelado, mas estava suando. Será? De verdade? Ela sabia?

Eu senti que ia desmaiar de novo, tudo rodou, a comida se revirou em meu estômago e minha boca salivou.

- Pai, você está bem?

- Quanto tempo eu vou esperar para quê, Natalie? - Perguntei já imaginando sua resposta, já sabendo que a minha filha era muito perceptiva, muito sábia.

Eu ficava cada vez mais nervoso. Sentia que estava entrando em outra dimensão, que minha mente se separava do meu corpo.

Comecei a pensar que seria muito mais fácil se Livia estivesse comigo, se eu tivesse aceitado contar desde a primeira vez que ela falou sobre isso. Percebi que sozinho eu estava fraco demais, e tudo o que me faltava era ela.

Natalie me olhava sem dizer uma palavra. Ela parecia preocupada com o meu estado. Senti o sangue parar de circular em meu rosto, imaginei que estivesse pálido. Eu também não conseguia falar, queria que ela dissesse algo, mas também queria que essa conversa não estivesse acontecendo. O ar estava deixando meus pulmões.

Fui retirado dos meus devaneios quando Natalie voltou a falar, num tom baixo quase em sussurro.

- Eu sei por que você está assim, pai. Eu sei o que está te deixando triste. - Merda, merda, merda. - Eu esperei você se abrir comigo, esperei ela se abrir, mas entendo que deve ser muito difícil pra vocês...

- Do que você está falando, Natalie? - A interrompi, desejando que ela dissesse, em tom que eu pudesse ouvir, tudo o que eu já sabia.

- Eu sei de você e Livia, pai.

Até amanhã ♡

Não se apaixone por mimWhere stories live. Discover now