Rochedos de Chinatsu

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— Só estou comentando...

— Isso é uma afronta! Sávia merece mais que especulações. Baco é um psicopata e você desonra o nome dela desse jeito.

— Ei, calma...

— Perdemos um membro importante da equipe e não pudemos fazer nada para salvá-la, — levou a mão aos bolsos e tirou um tecido branco com o qual enxugou as lágrimas — mas podemos fazer justiça aqui e agora. — Óscar avançou para cima de Baco.

Franco saltou da poltrona e se colocou entre o aposentado e o detento.

— Não! Nós não somos carrascos.

— Tem razão. Somos babás de assassinos. — Óscar esmurrou a porta do deck e se ausentou consternado.

Silas deu de ombros.

— Acho que Óscar e a capitã eram mais ligados do que sabíamos — observou as feições ambíguas de Silas pelo espelho. — Vá ficar com o Baco um pouco. Eu assumo daqui.

Silas largou os controles e se espreguiçou na poltrona. Estavam revezando a cadeira do piloto, pois a viagem era muito longa. Faltavam pouco mais de quatro horas para pousarem em Rochedos de Chinatsu, no oceano pacifico.

— Franco, o que pretende fazer quando chegar à Terra?

— Sei lá, não tem nada na Terra que me interesse mais — seu rosto se contorceu. — Aquele lugar... virou um antro de cangaceiros e capitães do mato financiados pelos novos donos do mundo.

— Ah, Mas não é assim em toda parte. Deve ter algum pedaço do mundo que você sinta falta.

— E tem. Eu sinto falta da água do mar, de mergulhar e submergir, sabe? de pisar na areia molhada, das ondas quebrando, das gaivotas grasnando, da marola subindo, mas é uma saudade sem sentido — virou a cadeira para o companheiro. — Eu nunca te contei, mas cresci no litoral brasileiro... isso foi antes da redoma que protegia São Paulo falhar e a radiação tomar conta. Meus pais estavam lá quando aconteceu.

— Merda — Silas pôs a mão em seu ombro tentando confortá-lo. — Eu sinto muito, cara.

— Mas, e você?

— Em uma palavra: Tóquio! E você virá comigo. Sou seu subordinado, não pode me deixar perambulando por aí sozinho, vai que algo de ruim me aconteça? Precisa estar ao meu lado desfrutando dos prazeres carnais e terrenos que só Tóquio pode nos proporcionar.

— Isso não me convenceu.

— O quê?! Não seja assim, Franco. Em Tóquio tem litoral, sabia? E os Japoneses sabem limpar seus mares. Garanto que vai adorar mergulhar com os peixinhos, será como se estivesse em casa de novo — Silas jogou os braços para trás como se estivesse nadando de costas.

— Não conte mesmo comigo.

— Sério, Franco. Vamos deixar o velho em Rochedos e pegar um trem bala para Tóquio. É natal na Terra e os Karaokês devem estar a todo vapor. Por favor, precisamos aproveitar um dos últimos feriados cristãos antes de voltarmos para a Callisto.

De repente, Baco abriu os olhos e grunhiu como um animal possuído. Uma saliva espessa escorria pela boca.

— Não voltem...

A voz rouca fez com que os tripulantes se enchessem de assombro. Silas sacou seu sabre e correu para verificar o detento.

— Cala a boca! — Encostou o aço na testa do prisioneiro.

— Não, Silas. Deixe que fale. Talvez nos conte algo sobre o que aconteceu com Sávia.

Silas estava arrepiado. Sabia que o detento não falava nada coerente desde que voltara de Callisto para a Estação. Talvez seu comandante estivesse certo ou talvez o criminoso só estivesse os fazendo de bobos.

Da Terra à terraWhere stories live. Discover now