A noite do último desaparecimento

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Hector Ventura sempre achou difícil não acreditar em monstros. Não porque era uma criança impressionável, mas sim porque a imagem de uma estranha criatura que não podia ser desse mundo ainda o perseguia, mesmo depois de 25 anos. A coisa era pequena como uma criança, assim como ele na época, porém com orelhas pontudas. Sua pele era áspera e lembrava a de uma pedra, ligeiramente esverdeada; os cabelos eram selvagens e escuros como a noite. O mais assustador eram os olhos grandes, vermelhos e brilhantes.

Claro que ninguém acreditou nele; afinal, só tinha cinco anos e uma imaginação fértil. No entanto, era impossível para Hector ignorar a verdade depois de ter visto aquela coisa com seus próprios olhos. Fora uma experiência tão devastadora que, no início, ele nem conseguia dormir, mas, com o tempo, isso passou e se tornou apenas uma lembrança que, por vezes, ele mesmo se questionava se era real ou não.

Depois de tantos anos, o evento perdeu importância, por mais que ainda o assombrasse, porém os problemas cotidianos o ajudavam a esquecer os devaneios da infância, especialmente naquele sábado à tarde no parque, procurando por sua filha. Hector e seu irmão se encontraram lá com seus filhos e deixaram os dois brincando nos brinquedos; dois segundos de distração foram o suficiente para que ambos perdessem as crianças de vista.

Num primeiro momento, os irmãos não se preocuparam muito, apenas se levantaram e se afastaram da mesa de piquenique para tentar avistá-los. Quando não obtiveram sucesso, começaram a chamar seus nomes. Ainda sem os ver, os irmãos decidiram se separar para procurar.

Hector tentou não pensar em nada ruim; era típico de crianças se afastarem em suas brincadeiras. No entanto, foi inevitável pensar na imagem da última criança desaparecida das mensagens no celular. O que ele faria se acabasse se juntando aos pais desesperados das notícias? Como ele pôde se distrair assim ao ver tantos casos de desaparecimento? Perguntas e pensamentos de culpa já bombardeavam sua mente até que uma voz os afastou.

— Papai! Papai! — Sua filha veio correndo, com o primo logo atrás dela.

— Nadine! Onde estava? Falei para não sair de perto!

— Desculpa, é que o Daniel estava me mostrando uma coisa!

— É, tio! Verdade! Tem um buraco estranho bem ali. — Ele apontou para as árvores numa região pouco visitada, pois diziam ser perigosa.

— Vocês não podem ir para lá. Agora venham, vou te levar para o seu pai, Daniel. Henrique não vai gostar nada de saber que vocês estavam andando por lá de novo.

— Mas é verdade! Tem um buraco lá na raiz de uma árvore! Eu já mostrei pro papai, mas ele não acreditou...

— Sim, mas, agora, vamos. — Hector pegou a mão de cada uma das crianças e as puxou de volta para o parquinho, onde Henrique estava procurando-os. O alívio foi grande ao encontrá-los, assim como a bronca que os primos levaram por sumirem.

Mesmo assim, continuaram aproveitando a tarde agradável, até que Hector e Henrique resolveram levar seus filhos para suas respectivas casas ao anoitecer. A garotinha de cinco anos escolheu a comida para o jantar e Hector comprou no caminho para casa. Depois de comer e depois do banho, ele a colocou em sua cama. Já estava na hora de dormir.

— Papai, quando a mamãe vai voltar?

— Na quinta-feira, minha flor. A vovó precisava da ajuda dela. Sei que é muito tempo, mas essa semana já vai acabar em breve, você vai ver.

— Está bem...

— E não é tão ruim assim ficar só comigo por uma semana, é? Nos divertimos muito hoje.

A Noite do Último DesaparecimentoWhere stories live. Discover now