Parte 2

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O café devia estar quente como fogo ou até mais do que isso, a fumaça subia densa e dançante, dissipando-se no meio do caminho entre a mesa da cozinha e o teto. Iria demorar um pouco para esfriar, tomar aquilo do jeito que estava era uma súplica para ter a própria língua diluída. Pelo menos era uma desculpa para que Luna pudesse manter seu foco fixamente no nada ou, quem sabe, em seus pensamentos.

A última noite fora a mais louca de sua vida. Mais do que a noite em que quase sofreu um acidente de carro porque seu amigo estava dirigindo bêbado, muito mais do que a noite em que viu uma cena erótica pela primeira vez e mais do que a que fugiu de casa, aos seis anos de idade, porque seus pais não queriam que ela comesse mais marshmallows do que já havia comido - inclusive, considerava esse o pior erro dos seus pais para consigo mesma, como alguém nega marshmallows a uma criança? -.

Ela não sabia explicar se o que acontecera fora um sonho muito atípico - o que não faria o menor sentido, pois seus sonhos nunca duravam tanto tempo e quase nunca faziam sentido. Além disso, de alguma forma, ela não tinha o menor sentimento de estranheza pelo que via, reconhecia tudo o que fora posto diante de seus olhos -, ou se simplesmente estava desencadeando um problema psicológico que a fazia ter pequenos filmes de época em sua cabeça.

Acabou convencendo a si mesma de que uma doença psicológica onde as pessoas veem filmes de época em suas próprias cabeças não existe e que, se vira tudo aquilo à noite, obviamente tratava-se de um sonho.

Olympia.

Aquele nome, aquela voz, aquela determinação, as palavras e o jeito dela não saíam da cabeça de Luna. Até mesmo podia sentir a pele macia dela tocar a ponta dos seus dedos. Os dedos de Antonieta não, os dedos dela. E isso era impossível.

Que mulher incrível... A pessoa que Luna, sem nem saber, sempre almejara. Na verdade, ela nem sabia que procurava por alguém até aqueles minutos de sonho, tampouco entendia como se apaixonara instantaneamente por uma mera personagem.

Ao mesmo tempo, tinha a forte certeza de que a conhecia de algum lugar. Olympia era mais familiar do que ela mesma, Luna poderia traçar seu corpo bem como o caminho de seu próprio quarto até a sala de estar e seria o mais perfeito traçado existente, porque Olympia era o conceito de perfeição.

Mas Luna não gostava de meninas... Pelo menos não que ela soubesse. Na verdade, até onde sabia, não gostava de ninguém. Todas as ofertas que recebera pareceram tão vazias que eram o convite para a rejeição, as pessoas que ela conhecia pareciam pensar pequeno e não buscar o mesmo que ela buscava em um relacionamento.

De qualquer maneira, por que um sonho estava tomando proporções tão grandes na cabeça da menina? Por que em seu peito estava uma angústia tão grande, que mal a deixava respirar? Afinal, sonhos são apenas sonhos, não duram mais do que 30 minutos e não definem absolutamente nada na vida de ninguém, era nisso que Luna acreditava. Mais do que isso, achava fútil o ato de ficar procurando significado nos sonhos.

De jeito nenhum um sonho queria dizer que ela poderia gostar de uma menina, por mais que seu corpo gritasse por Olympia, devia ser só um rápido efeito. Ela sempre disse não ter preconceito, mas que jamais aceitaria ser um deles.

-Luna?- saiu de seu transe, com um pequeno choque, no momento que ouviu sua mãe chamar- Não vai tomar o seu café?- ela perguntou, sorrindo.

-C...café?- olhou para a mesa e lembrou-se que a xícara estava ali- Ah, sim... Digo, não. Vou colocar em uma garrafa térmica e levar para a escola, eu acho que já estou um pouco atrasada...- disse, levantando-se e indo buscar o objeto em algum armário.

-No que estava pensando?- seu pai questionou, atrás do jornal que lia- Parecia que estava hipnotizada.

-Em uma coisa que a Esther me contou ontem, o senhor não faz ideia do quão chocada ela me deixa às vezes...- forçou uma risada- Vejo vocês mais tarde, tchau.

OlympiaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora