Ressaca de palavras IV.

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Me lembro da dor dilacerante do fim, que, como
tudo entre nós, não foi explícita, foi um fim
metafórico. Eu sabia que era o fim porque sentia
como se você estivesse flutuando cada vez mais
para longe, também me recordo do desespero
do início, onde eu fiz de tudo para te agarrar até
a conformidade, quando você já estava tão
longe que eu nem tinha mais fé, apenas te via,
cada vez mais distante e sentia tudo em mim
gritar.
Tudo o que me restava era acreditar na
sabedoria popular: o tempo cura. Preciso te
contar que aprendi conviver com os fantasmas
do nosso amor, desisti de exorciza-los porque
eles não iriam embora, também consigo lidar
com as nossas lembranças sem ter vontade de
chorar, nem fecham minha garganta mais,
apesar de terem deixado uma cicatriz e também
que parei de rezar para que exista um final
alternativo em que nosso amor é feliz.
E tudo isso é ótimo, não é? Com a sua distância
consigo pensar e não agir como uma
ensandecida, tresloucada que só vê uma coisa
no mundo. Mas é a distância que ameniza, o
tempo não tem nada a ver. O tempo pode ser
relativo. Pode ser biológico. O tempo pode ser
também psicológico. Pode ser subjetivo. Mas
para nós dois, o tempo nem existe, é só uma
ilusão criada pelos ponteiros do relógio.
Porque se a gente se encontra, o mundo
acaba. Se eu te beijo de novo, eu esqueço como é que se vive depois de você, se eu te olho mais
uma vez, eu desisto de tudo. E por isso que te
evito: nosso encontro é explosão cósmica de
tudo que entendo como normalidade. Se nos
tocamos novamente, desaprendo tudo que a
distância me ensinou e te amo como se fosse a
primeira vez.

Era isso que eu precisava ler. Where stories live. Discover now