Capítulo 1 - Rainha das Cinzas

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O rugido de Drogon cortou o ar, magistral e triunfante. Era o som dos novos tempos, da nova Era que estava recém começando nas terras dos Sete Reinos de Westeros. Uma Era regida por fogo e sangue.

Não havia uma única alma nos escombros de Porto Real que não ouvira o rugido do dragão, e Jon Snow baixou Garralonga ao ouvi-lo reverberando pela atmosfera, olhando para o céu em busca da sombra do animal. No céu, porém, não havia nada além de fumaça e cinzas, que cobriam todas as superfícies da cidade. Os ouvidos de Jon estavam surdos, abafados pelos sons das explosões que eclodiram por toda a parte e dos gritos que ainda ecoavam pelas ruas. A visão estava turva pelo sangue e cinzas, e o pó que se erguia dos escombros queimava em seus pulmões.

Poderia ser neve, pensou ele, olhando para as cinzas que flutuavam através do ar como flocos de neve, rodopiando até pousarem e se transformarem em uma fina camada que pintava Porto Real de branco, tão reluzente e imaculada quanto a Cidadela. Quase se parece com o inverno do norte.

O inverno costumava ser cruel, mas naquele momento não havia visão mais terrível do que aquela que estava logo diante de seus olhos. Para onde quer que olhasse, havia destruição e morte. Debaixo dos destroços das construções, cadáveres partidos e soterrados; soldados mortos empilhados nas ruas - a última defesa de Porto Real devastada pelo exército de Daenerys Targaryen.

Não havia piedade nos olhares dos Imaculados, que agora percorriam a cidade dando fim aos últimos homens da resistência Lannister que ainda estavam vivos. Mesmo com o rugido de vitória de Drogon, com a certeza de que a luta estava ganha, os inimigos estavam sendo caçados e eliminados um a um - uma ordem que os Imaculados se certificavam de cumprir. Jon estava imóvel e assistiu quando um dos Imaculados passou próximo à ele, dirigindo-se ao soldado que batalhava com Jon antes de Drogon anunciar a vitória.

O leão dourado na armadura do soldado era a sua sentença de morte, e mesmo que implorasse por sua vida - como o fez -, o seu destino estava certo. O Imaculado traçou um golpe rápido com a espada, cortando sua garganta e cessando os pedidos por clemência. O sangue jorrou como uma cascata, vermelho e vivo, derramando-se sobre o chão de cinzas. O soldado caiu, sem vida, enquanto o Imaculado seguia seu caminho em busca do próximo alvo.

Jon olhou para a espada em sua mão, para o sangue que pingava da lâmina, e de volta para o corpo do soldado morto. Qual era o custo da vitória? As suas batalhas anteriores haviam lhe ensinado que o custo era sempre alto, e qualquer que fosse a guerra que travasse, o cenário pós fim seria sempre difícil de aceitar. Próximo de onde estavam, em uma ruela bloqueada pelos destroços do prédio que ruíra, um homem chorava ao lado de um cadáver parcialmente soterrado; outro homem, com o corpo integralmente queimado pelo fogo de Drogon, caminhava a esmo através da alameda, a pele de seu rosto derretida, e a carne de seu corpo torrada pelas chamas do dragão. Um golpe de misericórdia, era o que ele merecia.

Os sons da destruição ainda ecoavam pela cidade - prédios que ainda ruíam, estruturas que sucumbiam à corrosão, fogo que ainda se alastrava e consumia tudo que era inflamável, lamentos e gritos fantasmagóricos que surgiam de tempos em tempos arrepiando os pelos da nuca de Jon. Ele era responsável por tudo aquilo. Avistou uma pequena mão sobressaindo aos escombros, uma mão que envolvia um cavalo esculpido em madeira. Parcialmente destruídos pelas chamas sim, mas ainda o brinquedo de uma criança inocente que ficara para trás. Sor Davos colocou a mão em seu ombro, empurrando-o em uma ordem silenciosa de que seguisse em frente. Não havia nada que pudesse ser feito para salvá-la.

- Encontrarei vocês depois. - Disse Tyrion Lannister, sua voz quebrando o silêncio que pairava sobre o grupo pela primeira vez. O rosto e as vestes do anão estavam cobertas de fuligem, mascarando os cabelos dourados que eram típicos de sua família. Sua expressão consternada fitava o vazio, e poucas haviam sido as vezes em que Jon vira o Duende tão quieto. Tyrion sempre sabia o que dizer - sempre tivera as palavras certas para os momentos certos, mas naquele momento encontrava-se sem palavras. A postura curvada, diminuindo ainda mais a sua altura, era o retrato da preocupação que recaía sobre a Mão da Rainha.

- Não é seguro. - Falou Jon, encontrando sua própria voz, que estava rouca após tantos gritos e ordens durante a batalha. Sua garganta estava seca, drenada, e cada palavra arranhava-a por dentro. - Leve alguns dos meus homens consigo. Não sabemos o que ainda há por aí.

Eles precisavam ser cautelosos, e Tyrion Lannister era uma figura valiosa demais para se perder em uma armadilha qualquer. O irmão da antiga rainha era procurado por todos os Sete Reinos, e uma gorda recompensa era oferecida para aquele que o capturasse. Apesar da vitória, mercenários ainda poderiam estar perambulando pela cidade em busca de tesouros e escravos para negócios nas Cidades Livres.

Tyrion ergueu o rosto para ele, o olho verde e o preto lhe encarando com pesar. Jon sabia o motivo: o anão havia perdido muito naquela batalha. O último membro da casa Lannister estava sozinho, o covil dos leões destruído pelo dragão.

- A cidade está morta, Jon Snow. - Falou Tyrion. - Eu vou sozinho.

Jon não discutiu. O destino dos dois era o mesmo, mas o anão precisava de um tempo sozinho, e não seria Jon quem lhe negaria isto. A Mão da Rainha podia tomar decisões por conta própria. Acompanhado de Sor Davos e de outros soldados do Norte que pertenciam à sua guarnição, eles retomaram o caminho através das ruas de Porto Real, atravessando a cidade na direção do último reduto seguro, a Fortaleza Vermelha.

O Dragão e o LoboWhere stories live. Discover now