Refém

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Ela despertou do pior de seus últimos pesadelos. A camisola estava molhada de suor e sua respiração era agitada. Parecia que um ataque cardíaco lhe tiraria a vida naquele instante. Sentou-se na beirada da cama, na esperança de que tudo melhorasse e o sono pudesse voltar. Lembrou-se do pai que abusava dela, da mãe que sabia, mas que por medo das agressões do marido, não denunciava à polícia. Era madrugada. Uma brisa leve entrava pelas frestas da janela e um arrepio na espinha fez Elisa se contrair. Estava assustada. O medo de sair do quarto era tão grande, que ela resolveu continuar ali mesmo, ao lado de suas coisas, suas bonecas, suas pelúcias, seu desespero. A porta começou a bater. Era o vento, mas poderia ser a mão de seu pai, tentando derrubar tudo só para lhe maltratar. Seu olhar era de um azul medonho, a cor da morte, a cor da fúria, a cor de quem quer se ver livre, ser livre, se libertar. Elisa saiu da cama, de dentro da gaveta do guarda roupa tirou um lençol cor de rosa. Embrulhou-o nos braços e o segurou igual se segura um bebê e saiu. O quintal era de terra, e um abacateiro cheio de frutos jazia resplandecente diante dela, era alto o bastante para fazer o que ela imaginava. O céu estava estrelado. A lua cheia iluminava todo o horizonte e um vento gelado cortava a carne de seu corpo. Sentia-se triste, envergonhada. Lágrimas correram por seu rosto. Com a destreza de um felino Elisa subiu na árvore com o lençol em mãos e lá no alto deu um nó forte o suficiente para não ser desmanchado. Ficou ali, na beirada do galho. O olhar distante, o pensamento mais ainda. Ao fechar os olhos se lembrou das mãos do pai tocando seu corpo, acariciando seu seio pequeno e dedilhando por suas coxas; chorou, gritou e engoliu o choro e o grito. Enrolou o lençol no pescoço e como um pássaro ferido que deseja sair da gaiola, pulou, saltou e suas asas de anjo se abriram. Elisa estava livre.

RéfemWhere stories live. Discover now