Entre a Terra e o Mar

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A areia áspera e quente da praia tinha um contraste perfeito com o vento constante. Iara respirou fundo, sentindo o cheiro do mar, colocou os fones de ouvido, apertou o play no celular e então começou sua caminhada.

Como era de costume, Iara segurava os chinelos nos dedos para sentir melhor as ondas do mar quando elas avançavam sobre a areia. O cabelo negro que herdara da mãe indígena estava preso em uma trança lateral; sua pele morena como chocolate ao leite reluzindo ao sol enquanto aproveitava mais um fim de tarde com aquela bela paisagem até onde a vista alcançava.

Porém, antes mesmo de a primeira música acabar, uma garrafinha de plástico vazia e parcialmente coberta pela areia apareceu em seu caminho. Era incrível como as pessoas pareciam incapazes de recolher o próprio lixo e dar o devido fim a ele ao irem embora. Isso já acontecera tantas vezes que, agora, Iara sempre tinha uma sacola de lixo no bolso dos shorts, e assim começou a catar outras sujeiras que foi encontrando pelo caminho.

Garrafas de plástico, latinhas de cerveja e refrigerante, bitucas de cigarro, copos de plástico, sacolas e embalagens .

Era tanta coisa que ela encontrava diariamente que nem dava para acreditar que vivia em um mundo civilizado. Foi tanto que o saco rasgou ao final de sua caminhada, derrubando todo o lixo de volta na praia.

Ela soltou um gemido de frustração e se abaixou para pegar tudo de novo. Sem uma sacola reserva, -se forçada a tentar catar tudo nas mãos para levar à lixeira mais próxima. Sem ela perceber, uma das várias garrafas rolou até encontrar seu caminho ao mar e flutuar para longe; isto é, até que alguém a pegasse e a arremessasse de volta para Iara, acertando suas costas.

Largando tudo na areia, a garota enraivecida se levantou e esquadrinhou a direção de onde o projétil viera, encontrando apenas um garoto no mar, a encarando não muito longe de onde ela estava.

— Ei, você! — ela gritou, não se importando com os olhares curiosos das pessoas ao redor. — Acha que jogar garrafas nas pessoas é engraçado? Fica jogando lixo na praia também? Sabia que pode demorar séculos para uma dessas ser consumida pela natureza? Por que é tão difícil pra algumas pessoas simplesmente procurarem uma lixeira pra jogar o lixo fora?

Ela terminou seu pequeno discurso olhando as pessoas em volta. O garoto, surpreso, não tinha palavras e ficou abrindo e fechando a boca como um peixe até que resolveu mergulhar e nadar para longe.

Estalando a língua, ela se abaixou novamente para catar o lixo e levar ao seu devido lugar. Teve de fazer o percurso mais duas vezes para se livrar de tudo que havia catado antes. Quando terminou, Iara foi para sua casa, esperando contar os eventos para sua prima, com quem dividia o pequeno e simples apartamento, e se divertir com as reações de Isabella.

Iara voltou à praia quase todos os dias daquela semana, sempre ao final da tarde, depois do trabalho na loja de roupas.

Geralmente, ela não prestava atenção em quem estava na praia, com exceção do garoto que jogara a garrafa nela, mas era só porque ele era muito esquisito. Para começar, ele era tão pálido que parecia que nunca vira o sol, e ele estava sempre no mar, longe das pessoas. Além disso, ele ficava a encarando, e isso irritou Iara. Ela até pensou em confrontá-lo, mas ele nunca saía da água. Nem mesmo depois que a noite caía e ela tinha certeza de que o mar estava bem gelado, pois quase ninguém mais aguentava ficar nele. Então, ela voltava para casa, pois teria que acordar cedo no dia seguinte, de qualquer forma.

No entanto, no domingo, seria diferente. Em seu dia livre, ela foi no horário de costume, no final da tarde, e novamente o garoto estava lá.

Como sempre, Iara fingiu que o ignorava e fez sua caminhada, jogando fora os lixos que encontrava pelo caminho. Dessa vez, porém, ela seguiu para uma área meio isolada da praia, com várias pedras marrons que avançavam para o mar.

Entre a Terra e o MarWhere stories live. Discover now