2.4. Atendimento

76 30 122
                                    

Após o almoço, o adolescente Joaquim José da Silva Xavier, de 15 anos, e o Doutor Sebastião Leitão chegam a uma rua bem arborizada da Vila de São José, sem calçamento e com uma casa branca de tinta descascada. Um cachorro triste, fora da casa, está deitado roendo o próprio rabo.

O adolescente aprendiz carrega uma mala que contém todos os itens que seu preceptor e professor do ofício de dentista prático utilizará no trabalho de hoje.

- Dona Tita, aqui é o vosso tiradentes, o senhor Sebastião Ferreira Leitão – disse ele, após bater três vezes na velha porta de madeira ressecada pelo tempo.

- Quem éé? – uma voz lenta, aguda e fraca diz lá de dentro.

- É o senhor Leitão, dentista, vim lhe atender, abra por favor.

Eles esperam, e após alguns segundos notam um vulto na cozinha, iluminada por um candeeiro. É a Dona Tita, olhando pela janela. – Estou indo -, a voz aguda repete duas vezes a frase.

Ela desaparece e alguns minutos depois abre a porta.

- Doutoooor Bigooooode, é o senhoooor? - Ela grita, alguns segundos após abrir a porta.

- Sim, recebi a mensagem de sua empregada Milê. Ela disse que a senhora precisa tirar dois dentes, vamos fazer esse serviço.

- Que bom que o senhooor veio, e acompanhado desse belo rapazinho! Não fique tão sério, rapaz. O que fico triste é que a maldiiita escrava milêê deu o recado errado. Eu nããão quero tirar dois dentes, eu quero é colocar! E o senhor demorou, por culpa dela!

- Senhora, para colocar, primeiro vamos retirar os que estão podres, e medir para que eu possa fazer os moldes.

Eles caminharam até a cozinha da casa, onde havia uma cadeira de madeira, com costas grandes.

Dona Tita sentou-se e começou a se queixar do sotaque português do dentista. Ela era uma portuguesa que adorava falar mal dos portugueses. Depois, praguejou contra o dentista, a escrava mensageira, os índios, os quintos cobrados por Portugal e os padres.

Joaquim apanhou na mala uma toalha branca, que Sebastião colocou em volta do pescoço de dona Tita.

- Aaai, - tem manchas de sangue nessa toalha – alardeou a velha.

- Calma, Dona Tita, a toalha foi lavada, isso são manchas de uso porque lavamos com produtos químicos para esterilizar o material.

- Aaaaai, nada de química heim? Só ouro! Os dois moldes têm que ser de ouro, tal como meus outros dentes aqui.

- Tá bom, senhora, mas lembre-se que a senhora teria que fornecer o ouro para os moldes, ou pagar adiantado por ele.

Depois de mais meia hora de discussão do contrato da extração de dentes e preparação dos implantes, o dentista começou o serviço. Dona Tita reclamou dos ferrinhos que entravam em sua boca, e ele explicou que eram apenas para examinar. Ela mostrou com o dedo os dentes que doíam.

O Doutor Leitão disse ao sobrinho:

- Joaquim, apanhe a chave de garangote.

- Ahn, a ká? – foi o som que Dona Tita gritou nesse momento.

- O quê? Disse o jovem.

- É o boticão, Joaquim. Aquele grande.

Naquela caixa com mais de cinquenta ferrinhos, o aprendiz pegou a peça de cabo gordo, parecida com a letra T, e entregou ao tio.

- Dona Tita, eu e meu ajudante vamos segura-la por um momento, ok?

- Nãããoooo, peraí. O dente não é desse lado!! – gritou ela.

- Calma, não mostrei nenhum lado. Realmente há dois dentes comprometidos, um de cada lado, conforme a senhora nos mostrou.

Quando o doutor está presentes a tirar o dente, ela começa a se debater e gritar – pera, pera, peraí!!

Eles a soltam para que ela possa falar: Esse dente não está doendo não, acho que é do outro lado só.

A risada gostosa e forte do aprendiz ressoa na velha casa. 

Tiradentes Jovem contra os VampirosWhere stories live. Discover now