Apenas Dezenove

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-Então eles resolveram dar a volta ao mundo? - Perguntei ao receber a taça de vinho que Violeta me passava. Ela sentou na toalha bem ao meu lado também respirando fundo. O dia de sol estava perfeito pra fazer exatamente o que estávamos fazendo. Amaldiçoar a vida, os homens, as péssimas escolhas, rodeadas por vinho e um belo jardim.

-Há alguns anos eles falavam nisso. - V responde se referindo aos seus pais. - Então no fim do ano passado Will e eu demos o barco e eles partiram.

-Parece incrível.

-Deus me livre. - Ela riu. - Eu gosto dos meus dois pés no chão.

-E foi por isso que acabou na cama do Scott. - Zombei. - Aquele cara é uma verdadeira ilha.

-Não transei com ele. - Revirei os olhos. - É sério mesmo, não transei com ele Clen. Sou quase dez anos mais velha que aquele moleque Clen.

-Isso não quer dizer nada. - Protestei. - E Scott é lindo. Aquela pele morena misturada àqueles olhos perfeitos, fala sério, ele é muito gato.

-Por que não ficou com ele então?

-Hummm. - Dei outro gole no vinho. - Eu estou dando um tempo do amor, ou do sexo, ou de homens em geral.

-Matt. - Ela ergueu sua taça e tocou na minha.

-Não Matt em si. Mas sim a falta dele, ou o que eu sou perto dele, ou jeito que ele me olha, ou a estranha forma que eu me sinto toda vez que ele está dentro de mim, ou... Deus! A maneira perfeita que ele olhou para aquele bebê que não é meu, o jeito que ele encarou tudo, a perda de pessoas amadas, o homem é uma rocha. Tão firme que não consegui penetra-lo.

-Uau!

-É. - Completei. - Uau!

-O que a Clara falou é verdade? - Olhei para Violeta sem acreditar.

-O que ela falou pra você?

-Que Matt tentou falar com você e que manda flores quase todos os dias e que até tentou ir vê-la antes de você ameaçar sumir se ele não parasse.

-Ele é casado e tem um filho. - Suspirei. - Um filho tão lindo e perfeito que seria maldade cruzar outra vez esse caminho.

-E se isso não for um impedimento Clen?

-Como assim?

-Você me contou sobre as promessas e eu as entendi, mas eu também sei que você jamais usaria o filho do Matt contra ele. Quando me separei o verme queria metade de tudo que eu tinha e se eu não desse ele iria tomar meus filhos. Que são tudo pra mim. Mas você não faria isso. Seria uma família. Uma somatória e não um ponto final.

-Eu o amo, e sei que isso não vai mudar Violeta, mas nada disso muda o fato dele ser casado. Ou de que a mulher dele é provavelmente uma das mais lindas e perfeitas que já vi na vida.

-Esqueça tudo isso Clen. - Ela suspirou. - Daqui a muitos anos você não vai querer estar sozinha em uma casa tão grande que lhe causa medo. Criei meus filhos, agora eles fazem parte desse. Fui tudo que eles precisavam que eu fosse. E hoje só me restou perceber que vivo de fragmentos da felicidade do meu irmão e da família linda que ele moldou. Que vivo por um trabalho que enfeita tantos lares pra novas famílias, mas eu mesma nunca construí um pra mim. Você não quer essa realidade Clen.

-Não faça isso. - Eu disse a ela as mesmas palavras de meu pai. - Não olhe pra tudo com essa desesperança.

-Acho que preciso mudar. - Sussurrou melancólica.

-Vamos fazer isso então.

E quando me deparei Violeta já sentava em um banco perto da pia da cozinha. Não sabia o que estava fazendo e com certeza ela também não, mas aquilo não nos impediu. Mexa a mexa cortei seu lindo cabelo, tão curto quanto possível. Decidimos por deixar a parte da frente mais cumprida que todo o resto dando um ar totalmente moderno onde antes quase reinava uma mulher puritana.

Quando começamos a aplicar a nova cor - comprada na farmácia da esquina - já estávamos consideravelmente bêbadas e riamos do meu esforço fracassado de aplicar a tinta nos lugares certo.

Mas deu certo. Quando trouxe o espelho pra que se olhasse Violeta o encarou como se finalmente estivesse se vendo depois de anos. Ela era uma mulher linda e sexy, com olhos marcantes e um corpo escultural. Apenas se escondia atrás dos filhos e do trabalho. Fez do designer de interiores sua carreira e esqueceu de se decorar.

Foi como levar um tapa.

Aquilo também fora o que Matt havia feito comigo. Eu já não me escondia, não temia o amanhã porque sabia que de uma maneia ou de outra estaria em pé e venceria qualquer desafio. Ele havia me dado cores - todas elas - e o melhor, fez de da minha alma um pincel. Ao lado dele eu me pintei, tomei forma, sou abstrata. Não caibo na compreensão de leigos.

A verdade era essa.

Com ele eu era sol e chuva. Podia ser inteira ou apenas pedaços. Eu podia errar ciente de que a luz dele me faria ver a saída.

-Tem certeza disso? - Violeta perguntou outra vez.

-Sim, eu quero ir.

-Você devia dormir aqui Clen.

-Estou bem de verdade.

-Tudo bem. - Concordou com um suspiro. - Obrigada por hoje. Foi como voltar a vida.

-Sou eu que preciso agradecer. Você está ainda mais linda. - Ela sorriu ao passar a mão direita pelo pescoço sentindo a falta de cabelo.

-Você é boa. - Sorri e entrei no carro. Ela se inclinou entrando pela janela e beijando meu rosto. - Leve as flores para ele e mande lembranças.

-Farei isso.

*~*~*

O sol começava a se por quando estacionei o carro. Apanhei as flores lindas que havíamos colhido no jardim de Violeta e caminhei determinada ao encontro dele. Era a primeira vez que vinha aqui depois de tudo, mas não me senti temerosa. No fim eu soube que ele me amava, do pior modo de todos, mas era amor.

Ou assim eu quis acreditar e agora ele já não tem como contradizer.

A morte deixa um silêncio que arrepia até a alma. Ficamos sem saber o que ele faria se tivesse mais algum tempo, ou se beberia o chá um pouco mais frio do que o habitual. Eu o perdi no meio de uma frase, no começo de uma vida, o perdi quando finalmente o tinha achado.

Ajoelhei em frente ao seu túmulo e o honrei como havia prometido. Eu estava crescendo, encarando um dia de cada vez, sendo provedora do bem estar de minha mãe. Eu estava viva.

Pai e Marido Amado

João Fort

O amamos na morte?

-Pai. - Eu disse crendo que de algum modo ele me ouviria. - Eu sempre o amei. Quis por tanto tempo ser seu orgulho, roubar um pouco da sua atenção. Quis ser sua filha mesmo no primeiro momento, em que percebi o seu desamor. Até mesmo no último. Estava tão cansado no fim que partiu sem que eu pudesse dizer que também sinto muito. Sinto que tenha precisado atirar, que tenha pago com nossas almas por esse pecado. Eu sinto muito por ter deixado você partir. Eu também estava cansada. Eu ainda estou. Sei que agora já encontrou seu caminho, mas eu precisei vir aqui e dizer que eu o perdoou. Não me leve como um fardo. Estou livre pai, por favor, esteja também.

Uma Gota de Sangue - Ruth CostaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora