Capítulo LXI

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O convento das Carmelitas de Béthune

Os grandes criminosos carregam consigo uma espécie de predestinação que os faz superar todos os obstáculos, escapar de todos os perigos, até o momento em que a Providência, cansada, ergue um obstáculo à sua ímpia ventura.

Assim acontecia com Milady, ela escapou dos cruzadores de duas nações e chegou a Boulogne sem nenhum incidente.

Ao desembarcar em Portsmouth, Milady era uma inglesa que as perseguições da França expulsavam de La Rochelle. Ao desembarcar em Boulogne, após dois dias de travessia, fez-se passar por uma francesa que os ingleses molestavam em Portsmouth, no ódio que haviam concebido contra a França.

Milady, a propósito, possuía o passaporte mais eficaz: sua beleza, seu aspecto altivo e a generosidade de suas gorjetas. Dispensada das formalidades de praxe pelo sorriso afável e as maneiras galantes de um velho diretor do porto, que lhe beijou a mão, permaneceu em Boulogne apenas o tempo de colocar no correio uma carta concebida nos seguintes termos:

À Sua Eminência monsenhor cardeal de Richelieu, em seu acampamento diante de La Rochelle.

Monsenhor, que Vossa Eminência não se preocupe. Sua Graça o duque de Buckingham não partirá para a França.

Boulogne, 25 de agosto à noite,

Milady de ***

PS. Segundo os desejos de Vossa Eminência, dirijo-me ao convento das Carmelitas de Béthune, onde aguardarei ordens suas.

Efetivamente, na mesma noite, Milady pôs-se a caminho. Anoiteceu. Ela parou e dormiu numa estalagem. No dia seguinte, às cinco da manhã, partiu e, três horas depois, entrou em Béthune.

Perguntou pelo convento das Carmelitas, não demorando a encontrá-lo.

A superiora foi ao seu encontro. Milady mostrou-lhe a ordem do cardeal. A abadessa deu-lhe comida e um quarto.

Todo o passado já se apagara da visão daquela mulher, cujos olhos, voltados para o futuro, não viam senão as grandes recompensas a ela reservadas pelo cardeal, a quem tão exitosamente servira sem que seu nome sequer aparecesse na trama sangrenta. As paixões sempre novas que a consumiam davam à sua vida a aparência de nuvens que, voando pelos ares e refletindo ora o azul, ora o fogo, ora o chumbo da tempestade, não deixam outros rastros na terra a não ser a devastação e a morte.

Depois do almoço, a abadessa foi lhe fazer uma visita. São tão raras as distrações no claustro que a bondosa superiora tinha pressa em confraternizar com sua nova interna.

Milady queria agradar a abadessa. Ora, nada mais fácil para essa mulher realmente fora do comum. Tentou ser amável: foi encantadora e seduziu a bondosa superiora com sua conversa tão variada e com as graças espalhadas sobre sua pessoa.

A abadessa era filha da nobreza e grande apreciadora das histórias da corte, que tão raramente chegam aos confins do reino e que têm, sobretudo, muita dificuldade para transpor os muros dos conventos, em cujos umbrais vem expirar o burburinho do mundo.

Milady, ao contrário, estava bem a par de todas as intrigas aristocráticas, com as quais convivera assiduamente nos últimos cinco ou seis anos. Pôs-se então a entreter a bondosa abadessa com as práticas mundanas da corte francesa, misturadas às devoções exageradas do rei. Fez-lhe a crônica escandalosa dos cavalheiros e damas da nobreza que a abadessa conhecia de nome e tocou ligeiramente nos amores da rainha e de Buckingham, falando muito para ouvir pouco.

A abadessa limitou-se a escutar e sorrir, tudo sem responder. Milady, porém, percebendo que aquele gênero de conversa a divertia, continuou, mas agora desviando o assunto para o cardeal.

Os Três Mosqueteiros (1844)Where stories live. Discover now