PRIMEIRO CAPÍTULO

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Eu apenas precisava ter admitido o pecado que cometi ou ter conversado com alguém antes mesmo de ter resolvido me envolver com algo tão sério ao ponto de não conseguir mais escapar... Até o dia em que um homem surgiu estranhamente em minha vida batendo à porta no meio da noite e dizendo que havia chegado a hora de pagar por cada centavo de tudo que eu lhe devia.

A afirmação soou como algo absurdo, mas pensando bem... Fiquei engasgado com aquilo, disfarcei a fraqueza e me recompus a cada ciclo de respiração sem deixá-lo perceber, pois ainda achava que exercia total controle sobre mim.

Por essa, eu não estava esperando. Para o sujeito, essa parece ser a parte de um trato do passado. Mas é aí que eu me pergunto... "De que trato, estamos falando, afinal?"

Recém-casado, a minha mulher está dentro de casa, no mínimo, muito curiosa para saber com quem estou falando. E por mais que eu não acredite no que acabo de ouvir, também não quero que ela saiba o que está acontecendo do lado de fora — por motivo de segurança — enquanto assiste relaxada a TV, sentada diante da mesa de jantar com a refeição já colocada no prato.

Não demora muito, ela não resiste em perguntar-me o que está acontecendo e eu não me importo de mentir evitando que ela apareça e acabe se envolvendo com esse episódio de caráter, simplesmente, duvidoso.

— Foi engano, não está acontecendo nada, amor, são apenas as crianças brincando de tocar a campainha da casa dos outros. — essa é a desculpa que eu uso.

Isso pode ser, sim, um sinal claro de que eu me esqueço — facilmente — dos detalhes do passado. De que posso estar preso a algo que nem me lembro mais e que essa não é uma simples impressão, mas, sim, um fato comprovado de que há um homem estranho diante de mim falando coisas sobre a minha vida das quais eu não consigo sequer comentar.

Devo admitir que sou esquecido mesmo, principalmente quando quero.

Num determinado momento da vida, aprendi a dar prioridade para coisas que julgo mais importantes e essenciais quanto a manutenção do meu estilo de vida, por essa razão programei a minha mente para deletar acontecimentos e assuntos que não tivessem relevância ou não comprometessem de forma nociva a minha visão sobre o futuro, tampouco a realidade em que vivo.

Dada à circunstância, eu fico impressionado e não deixo escapar os detalhes desse encontro que me parece com aqueles que a gente não esquece nunca mais. Olho bem nos olhos verdes do homem pardo com traços mongóis e aplico certas impressões de programação neurolinguística durante a nossa conversa a fim de tentar descobrir qual, de fato, é a sua intenção — verdadeira ou falsa — e, assim, poder desarticulá-lo.

Confesso que estou impressionado. Uma aura de mistério paira sobre mim alimentando uma de minhas maiores fraquezas, o medo do desconhecido. Enquanto ele está vestido com um sobretudo preto naquela noite chuvosa, temeroso, eu fico pensando o que pode haver por baixo daquela roupa muito usada por pessoas durante ações, no mínimo, um tanto suspeitas. Percebendo que ele não parece estar de brincadeira, tenta transmitir para mim a sua mensagem que está muito além de uma simples mensagem e deixa sem rodeios o seu recado ao fazer o papel típico de mercenário enviado por uma dessas seitas que prestam prováveis favores materiais em troca de recompensas espirituais.

"Você sabia muito bem que tudo tem um preço, mas não necessariamente sabe que preço é esse. Alguns pagam com a vida, ou a própria sorte, uns com dinheiro acrescido de juros, e outros acabam ficando esquecidos e nem pagam. Mas você precisa vir comigo, caso contrário, começará a perder tudo que conseguiu através dos meus préstimos, começando por essa linda casa".

Inicio uma gargalhada, mas, em seguida, travo.

Diante de qualquer que seja a ameaça é natural que o estranhamento leve o ser humano a sentir um calafrio. Meu instinto de autodefesa me obriga a pensar num monte de coisas ao mesmo tempo, desde a família, a casa, o carro, o emprego e o dinheiro guardado em uma conta no banco e se for preciso, travar uma luta feroz por causa disso. É como se eu soubesse que tudo aquilo que se passou em minha cabeça estivesse ficando comprometido diante daquela sonora ameaça.

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⏰ Last updated: Apr 15, 2019 ⏰

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AS CALDEIRAS DE PEDRO BOTELHOWhere stories live. Discover now