Capítulo 16: Lorena

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Sai do quarto para encontrar minha mãe com seu costumeiro vestido de domingo, sentada numa cadeira no corredor. Seu olhar parecia vazio, como sempre. Senti-me mal quase que instantaneamente pelos meus problemas de adolescente estarem me desvirtuando do principal motivo da minha vida: Trazer minha mãe para o lado negro da força.

— Vamos? — Fiz uma curva com o braço para que ela encaixasse o dela.

Dona Izabel esboçou um fraco sorriso, o que me lembrou do sorriso de Diego, e também do fato dela ainda não saber que ele tinha voltado para a cidade. Pigarreei e desci as escadas com ela. Eu cantando uma música do Nirvana, ela um louvor.

Esperança nunca tinha trânsito, mas dia de domingo era sempre bem movimentado. Alguns carros, com péssimos condutores, ficavam estacionados de forma transversal, o que fazia metade da pista ficar inativa, e filas se formarem aos montes.

Buzinei quando algum idiota forçou entrar por um buraco minúsculo para estacionar. Ele não acertava a vaga e insistia que conseguiria entrar com um carrão daqueles ali. Nem eu com meu fusca conseguiria entrar ali. Aposto que o padeiro não conseguiria entrar ali com o carro de pão.

— Ei, seu idiota! — Gritei pela janela. — Você não está vendo que seu carro não entra ai? Uma merda de senso espacial, heim!

Buzinei de novo e ele levantou o dedo médio para mim, o que me deixou mais irritada ainda. Segurei a buzina sem parar. Quando enfim outros carros começaram a buzinar também, ele desistiu e deu a partida, liberando a pista.

— Otário! — Gritei levantando o mesmo dedo quando passei pelo carro dele.

Virei para minha mãe e ela parecia horrorizada comigo. Foram três palavrões e um gesto obsceno. Já vi que meu dinheiro iria para a lata esse mês.

— Desculpe, mãe.

Ela se ajeitou na poltrona, puxando o vestido e arrumando a bíblia surrada no seu colo.

— Não sei onde você aprendeu a falar desse jeito. — Ela disse severamente. — Eu nunca disse essas coisas na sua frente.

— É, mas o pastor conhece formas convincentes de dizê-las.

Fechei os olhos no momento em que as palavras saíram. Isso me faria escutar o segundo sermão do dia. Mas eis que minha mãe me surpreendeu e ficou calada. Ela sempre o defendia. Dizia que tudo o que meu pai fazia era o melhor para a gente. Meu corpo de dezesseis anos marcado não concordava com ela, e acho que o dela também não. Mas ela tinha sido criada para obedecer e servir. Eu também tinha sido, mas alguma coisa se perdeu de mim quando Diego me deixou. Graças a Deus que ele me deixou!

Continuei dirigindo e só parei quando chegamos à igreja. Foi difícil estacionar, mas consegui achar uma vaga atrás de um carro branco o suficiente para parecer que tinha acabado de sair de uma concessionária. Sai apressada, e só quando tinha dado passos demais notei que minha mãe parecia uma estátua, ainda lá atrás.

— O que houve? — Perguntei checando a hora no relógio do celular. Tínhamos o lugar marcado na frente de todo mundo, mas odiava ter que passar por todos quando já estavam sentados.

— Onde está sua bíblia?— Ela foi categórica.

Encarei-a me perguntando se ela estava falando sério, mas resolvi não apelar para a dúvida quando percebi seu olhar firme. Ela era a voz passiva nessa família, mas tinha esse poder de persuasão com os olhos que sempre funcionou comigo.

Voltei para o carro e puxei minha bíblia, que estava jogada com meu material escolar no banco de trás. Mostrei a ela, junto com meu sorriso mais debochado. Ela resmungou algo e foi caminhando na minha frente em direção ao prédio.

A Mais Bela MelodiaWhere stories live. Discover now