Capítulo 10: Lorena

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Senti as lágrimas chegando aos olhos, então respirei fundo e encarei Diego. Seu rosto parecia confuso e envergonhado. Provavelmente ele tinha usado toda a coragem do mundo para dizer a sua irmãzinha que ele não gostava de meninas, como o mundo pedia que ele gostasse. Ele sempre quis ser o cara perfeito no papel de irmão. Foi ali, quando o vi buscando qualquer lugar para olhar que não fosse para mim, que percebi o quanto ele tinha se escondido dele mesmo por nosso pai, por nossa mãe, por Esperança e por mim.

A bile no meu estômago subiu novamente e passei a mão de leve por seus cabelos escuros e lisos, diferentes dos meus em vários sentidos. Ele a segurou e beijou de olhos apertados por bastante tempo.

— Papai te expulsou? – Perguntei com a garganta travada. Ele me olhou ainda beijando minha mão e negou com a cabeça.

— Não necessariamente. Um dia eu cheguei em casa e ele disse que tinha arranjado uma "possível" esposa para mim. Você acredita nisso? Esposa! Em pleno ocidente do século XXI e ele me arranjou uma possível esposa. — Ele fez aspas invisíveis com os dedos, mas eu estava chocada demais com aquilo para achar engraçado ver um antigo gesto cômico dele voltando para mim. — Naquele dia eu contei para ele e tivemos a pior discussão de todas. Mamãe se meteu e ele bateu nela — Uma sombra cruzou o rosto do meu irmão. A mesma que cruzava o meu sempre que pensava em minha mãe apanhando e nos fazendo jurar que nunca denunciaríamos nosso pai — então eu fui defendê-la e ele me fez orar praticamente a bíblia inteira de madrugada. Só não me colocou para ler pela segunda vez porque eu jurei que nunca tinha beijado um garoto, mas marcou meu rosto quando eu completei que foi apenas por falta de oportunidade. — Ele ficou em silêncio por um tempo, voltando a olhar para o nada. — Então eu simplesmente arrumei uma bolsa e fui embora.

— E me deixou aqui.

Não quis que as palavras soassem tão rancorosas, mas não pude evitar. Ele me olhou com dor nos olhos, provavelmente um reflexo espelhado da mesma dor que eu sentia há tantos anos.

— Desculpa, Lou! Eu sei que fui um idiota com você. Mas como eu sairia de casa sem nem um tostão no bolso e com uma criança? Se eu passasse fome você passaria comigo, e eu não podia suportar ver você sofrer.

E então veio a explosão.

— E como você acha que me senti quando vi meu irmão indo embora sem nem ao menos me dar tchau? — E finalmente as lágrimas que tanto evitei começaram a rolar quando levantei num pulo e passei a andar de um lado para o outro — Como você acha que me senti quando você me deixou o cargo de proteger mamãe das insanidades do pastor quando eu era uma criança? Está vendo isso aqui? — Evitando olhar para o rosto dele, mostrei a marca no meu pescoço que já estava sarada, mas se olhasse de perto, dava para ver o rosado. – Isso foi porque eu incendiei um prédio e papai achou que eu merecia ficar marcada. Está vendo essa outra? — Levantei a blusa mostrando a linha quase esquecida que ia do meu umbigo até minha costela esquerda. – Isso foi quando eu abandonei a igreja, passei a usar calças e arranjei um namorado que não o agradava. E essa outra — Puxei minha calça e mostrei o joelho já quase cicatrizado — Foi porque entrei na frente dele quando ele tentou bater em mamãe.

— Você tem os seus fantasmas, Lorena, e eu tive os meus. — Ele também se levantou. Os olhos estavam assustados e marejados, mas não fracos. Nunca fracos.

Enxuguei as lágrimas teimosas e encostei-me ao meu fusca, colocando a cabeça no vidro frio da janela. Sentia a têmpora latejar e o coração bater descompassado. Sentia que eu poderia morrer naquele momento, primeiro porque meu irmão estava vivo, e depois porque ele estava de volta.

As mãos dele roçaram no meu braço e eu me retrai.

— Sei que está complicado para você, Lou, e por isso estou de volta. Prometi para mim mesmo que voltaria para te pegar assim que pudesse.

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