Capítulo 2

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Ophelia,

Eu não sei o que pensar. A última vez que lhe escrevi foi dois dias atrás (não sei quando nem se você vai receber essas cartas, mas enfim...) e nesses dois dias andamos muito chão. Saímos de La Havre no norte da França e passamos rapidamente por Paris, onde nos juntamos a uma comitiva francesa de batalha. A cidade é muito grande, cheia de ruas e avenidas grandiosas. E mesmo com a guerra é uma cidade graciosa. Há flores por todos os lados, mas a guerra parece ter causado estranhos efeitos na cidade. As pessoas andam sujas de um lado para outro. Há poucos homens andando por aqui, todos devem estar na guerra. As ruas de paralelepípedos são movimentadíssimas. Os prédios são grandiosos e detalhados, mas falta algo. Não sei bem como descrever. É como ver um piano branco de cauda, lindo, mas coberto por uma película de pó. É como se a cidade tivesse uma camada de fuligem, de impureza. A França parece corrompida.

Um dia ainda te trarei aqui, sei que é seu sonho e sei que nossa lua-de-mel seria nessa cidade. Farei questão de senta-la em uma mesa do lado de fora de um café chique e vamos tomar vinho e ver o sol se pôr atrás dos prédios da cidade, enquanto diante de nós a cidade passa ensandecida em seu ritmo infinito. Carros, pessoas, cavalos e cães, disputando pelo posto de mais apressado.

–Os grandes heróis do Marne. –Disse um francês do meu batalhão apontando para um carro. Na verdade, era mais do que um simples carro. Com as rodas finas e o telhado de lona, era um táxi com a plaquinha na parte de cima e tudo. Dentro dele um homem fumava, olhando por debaixo da boina abaixada sobre a cabeça esperando um passageiro.

–Heróis do Marne? –Perguntei confuso, achando que já tinha um maluco como aliado.

–Foi uma das primeiras batalhas da Grande Guerra. Os alemães vinham em uma investida fortíssima como nunca se tinha visto. Dizimaram as tropas francesas no início e vinham traçando uma reta feroz para Paris. –Ele disse. Falava engraçado, gesticulando com a mão e a cada duas palavras passando dois dedos por cima do bigode preto fininho no rosto. Tinha sotaque, terminando todas as palavras acentuando a última sílaba. –Então para evitar que a capital fosse tomada com semanas de guerra, centenas e centenas de táxis foram usados para levar mais soldados, a maioria reservistas, para o front. Sem eles os soldados chegariam muito tarde e provavelmente estaríamos aprendendo a falar alemão agora.

É uma boa história, concordo, mas não sei se é verdadeira. O francês tinha um certo ar lunático, mas todos aqui o tem, vi várias pessoas parando repentinamente nas calçadas e nas ruas para olhar para cima. Parecem querer validar que o céu ainda continua sobre suas cabeças.

Bom, depois de Paris marchamos por longos descampados quase doze horas por dia. Parávamos pouco e apenas para descansar. Estamos indo para a guerra, mas a comida já parece estar sendo racionada.

Estávamos no norte da França, segundo os homens dizem e agora passamos pela Bélgica. Querida, o local está devastado. É inacreditavelmente triste andar por aqui. Eu ainda lembro dos jornais há dois anos, dizendo que a Bélgica foi o primeiro país invadido pelos alemães na sua ânsia pela França, mas nem por um segundo eu pude imaginar o estrago que eles fizeram aqui. Todos os prédios parecem ter alguma marca. Alguns são apenas pilhas de pedras. Outros estão negros com a fuligem dos incêndios.

Como podem existir pessoas tão impiedosas? Os locais que moram aqui depois de tudo isso pelos quais passamos não são mais do que miseráveis. As roupas de todos estão sujas, assim como suas peles. Nas suas expressões, há uma marca perpétua de dor e medo. Estão todos traumatizados. Tenho certeza que viram coisas que nenhuma pessoa deveria ver. Os homens são maltrapilhos, as crianças esquálidas e as mulheres estáticas. As pessoas parecem estar eternamente catatônicas. Vi gente fitando o nada e conversando sozinhos... Todos que vivem aqui sofreram muito.

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