Travessia ao contrário

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          Sob um sol quente de meio dia, a pequena embarcação chacoalhava nas ondas de um mar agitado. Ventava. O objetivo era chegar na costa até o amanhecer. No barco, homens, mulheres e crianças. Todos mal acomodados. Todos buscando por uma nova chance, uma nova vida em troca daquela que não dera certo. A velha pátria ficara para trás. Adiante, um mundo conhecido, de velhos hábitos. Em parte, a travessia era um pensamento reconfortante, pensavam alguns. Afinal, depois de tanto sofrimento e uma dor aguda no peito de saber que, por mais que tivessem tentado, a antiga pátria nunca seria de fato sua mãe. 

          Os crepúsculo se aproximava. Os tripulantes admiravam calados o melancólico pôr-do-sol ao sudoeste do imenso oceano. O que mais restava senão esperar? O futuro era certo e o passado algo a esquecer. Um menino brincava com o dedo na água para logo em seguida ser xingado em língua árabe por sua mãe. 

       Quando a patrulha marítima se aproximara, poucos perceberam. O policial falou:

 - Mar espanhol, amigos. O que acham que estão fazendo?

- Senhor, estamos indo para... Não pôde completar um dos tripulantes. 

- Sei muito bem! Querem entrar na Europa por mar.

Houve um momento de silêncio entre os dois homens.

- Não estamos indo para a Europa, mas fugindo dela.

O policial ficou confuso. Depois, continuou.

- Aonde então?

- Vamos para casa, senhor. Somos marroquinos. Na Europa somos estrangeiros e nossas crianças nos são apartadas.

A autoridade mirou o outro homem com ar de dúvida e , com um gesto da mão, autorizou o barco a seguir caminho. Mais tarde, naquele mesmo dia, lembrou-se de que semanas antes topara com uma outra embarcação semelhante vinda da direção contrária. Eram espanhóis fugindo do Marrocos. Pensou como o mundo era estranho, acendeu um cigarro e encerrou o dia. 

2017

Travessia ao contrárioWhere stories live. Discover now