-Não. Não quero. Não quero amor. – disse olhando para mim e depois saindo em disparada.

Não tinha percebido que tinha prendido a minha respiração até ter que inspirar profundamente, sentindo algum peso sob meu estômago. A principio pensei que Shaun fosse falar que já estava comprometido, mas depois ao ver seu rosto e ao ouvi-lo falar que não queria amor, e daquela forma... Eu sentia que já o conhecia o suficiente ao ponto de saber que estivera atento a toda conversa que tive com a Jessica ali, e que a sua resposta um pouco raivosa, tinha relação direta com isso. Seria tudo obra da minha cabeça? Pensando bem, não me recordo quando comecei a enxergar Shaun de outra maneira. Foi quando eu percebi sua genuína aptidão e inteligência? Isso de fato me atraía em qualquer pessoa, e não é como se existisse por ai pessoas inteligentes e habilidosas nesse nível. Teria sido essa a razão para que Shaun estivesse tão constantemente em meus pensamentos nos últimos dias? Porque de repente olhar em seus olhos me deixava... Nervoso? Não que eu me sentisse atraído pelo seu corpo. Afinal, julgo nunca ter visto Shaun com outra roupa se não a nossa indumentária de trabalho. Não, não era o corpo, mas havia algo sobre a pele pálida e com aparência cremosa de seu rosto e mãos. Algo como a cor da boca e dos olhos se destacarem perfeitamente num rosto tão branco. Okay, eu não deveria estar tendo pensamentos como estes relacionados ao meu residente. Eu nunca pensei num colega ou amigo dessa forma, em nenhum outro homem, na verdade.

Suspiro, tentando me concentrar na ficha médica em minhas mãos. Eu costumo ser muito intuitivo, sempre fui, desde mais jovem. Por isso, não pude deixar de perceber a maneira como Shaun passou a se portar perto de mim. Ah, Shaun... Quisera eu estar errado. Quisera eu que você não estivesse tão apegado ao ponto de se magoar com algo assim. Por favor, deixe que seja apenas algo da minha cabeça... Eu não me senti nada bem ao vê-lo daquela forma a pouco, e ainda mais por saber que eu poderia ser o causador. Eu não queria magoar o Shaun, essa era a última coisa que eu queria. Me surpreendi com a veracidade dos meus pensamentos, pois nem eu mesmo poderia prevê-los.

Teríamos que conversar, eu tinha que ter certeza do que eu estava suspeitando. Se Shaun realmente tivesse sentimentos por mim, o que na verdade eu gostaria de ouvir? O que na verdade eu iria fazer sobre isso?

O tom raivoso na resposta dele também não passou despercebi aos olhos do Dr. Glassman, que me enviou um olhar demorado. Será que o homem também desconfiava de alguma coisa? Desviei o olhar, coletei minhas folhas e acenei para Jessica, me despedindo. Eu iria me ocupar com o trabalho e esperar que isso fosse o suficiente para parar meus pensamentos voltados ao Shaun.

﹝•••﹞

Depois de um tempo, Dra. Browne veio até mim. Contou-me sobre a sua ideia de repor o fêmur do paciente com uma prótese feita através da nossa máquina de impressão em 3D. Arrastou-me para a sala de impressão. Quando entrei, logo vi o Shaun no computador. Ele estava terminado de projetar o fêmur. Eu e Dra. Browne ficamos em pé atrás da cadeira de Shaun que utilizava aquele software complexo, com vários comandos, como se fosse algo do dia a dia. Será possível que até nisso ele é bom? Me lembrei que haveria um Workshop relacionado a softwares como estes, em São Francisco e tomei nota mentalmente de pesquisar mais sobre tal quando chegasse em casa.

De repente ele se levantou e pegou um óculos de proteção.

-Está pronto. Vamos começar a imprimir.

Nós nos colocamos em frente a redoma onde o fêmur de titânio já começava a ser impresso. Dra. Browne olhava intenso para a máquina que trabalhava na sua ideia, e não conseguiu perceber a tensão entre eu e Shaun, que estava do seu outro lado. Percebi que ele evitava me olhar diretamente nos olhos, e também evitava qualquer proximidade. Isso só contribuía mais ainda para que eu pensasse que Shaun sentia algo por mim. Eu não poderia estar sonhando. Não sei até que ponto ele conseguira lidar com isso sozinho, não sei se preciso interferir. Murphy é muito novo, inocente. Puro, eu diria. Será que ela já havia experienciado sentimentos como estes em sua vida? O quê eu estou pensando? Isso se ele estiver mesmo tendo esses sentimentos por mim! Eu estou uma confusão. Quero mesmo conversar com ele, mas ao fazer isso, sei que estarei transpondo uma linha no relacionamento que temos. E dali, não terá volta. Terei que lidar com ele todos os dias, tendo que lembrar da conversa que tivemos juntos, tendo ela sucedido para bem ou para mal.

I'll Let You In (The Good Doctor)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt