Reminiscência

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Neve.

Você se lembra?

Talvez cinco anos possa parecer muito tempo para alguns, mas para mim é como se fosse ontem. Ainda consigo sentir o frio das manhãs em que tínhamos que nos agasalhar se queríamos tomar um café da manhã juntos. Como íamos rindo pelo caminho branco em direção a cafeteria próxima de nossas casas.

Eu me lembro com exatidão. Me lembro de como minha boca secou quando te conheci. Como fiquei tímido por sentir aquela sensação em meu coração apenas por ver você rindo.

Talvez você não se recorde. Mas eu me recordo.

Aquela era minha primeira experiência longe de casa. Era tudo novo, tudo tão aterrorizante. Todos me receberam de braços abertos naquele lugar desconhecido e você...

Você sorriu pra mim, como  se nos conhecessemos há muitos anos. Não sabe o quanto isso me aliviou, o quanto eu me senti à vontade para ficar longe de casa. Ficaria feliz, se tivesse pessoas como você ao meu lado.

Neve.

Nossa primeira guerra na neve. Era noite, iríamos encontrar nossos amigos para jantar. Como sempre, eu fui te encontrar no seu alojamento encapotado como um pinguim. Você já estava pronto, usando aquele gorro que eu tanto adorava, que deixava seus cabelos compridos sensualmente caídos em seus ombros. Me sentia feio, pequeno perto de você. Mas você apenas sorriu e disse que eu estava bonito.

Bonito. Você tem idéia de como meu coração disparou com aquela declaração? Antes que eu pudesse me fazer de idiota na sua frente, eu apenas ri e me virei, falando para você me seguir, ou chegaríamos atrasados. Você apenas riu e olhou para o céu. A neve recomeçava a cair levemente, mas poderia facilmente se transformar numa tempestade forte, como de dois dias atrás.

O primeiro golpe me pegou de surpresa. Eu senti aquela massa branca e gelada escorrer pela minha nuca e um arrepio de frio percorreu meu corpo. Eu virei meu olhar para você e vi a próxima bola de neve na sua mão.

A guerra começou em poucos segundos e logo nossas jaquetas não poderiam impedir o frio que sentíamos, como estávamos encharcados dos pés a cabeça. Eu me apoiava em seu ombro, rindo, tentando recuperar o ar perdido em uma brincadeira tão infantil.

– Agora nós vamos chegar atrasados e molhados. – eu disse ainda rindo.

– Isso não seria tão ruim. – lembro de você ter comentado.

            Assim como lembro de que aquele foi o momento onde tudo mudou. Você apenas segurou o meu rosto e me beijou. Me beijou como eu nunca havia sentido ninguém me beijar. Tudo que pude fazer foi gemer baixo em prazer, antes de me segurar em sua jaqueta e procurar o calor perdido na sua pele. Me senti vitorioso quando você tremeu ao toque dos meus dedos gelados na sua nuca. E claro, nós acabamos chegando realmente atrasados no jantar. O que não foi surpresa nenhuma segundo nossos amigos. Será que sempre fôra tão óbvio assim?

            Neve.

            A nevasca que prendeu a todos, cada um em um canto daquele lugar. Eu estava visitando você após o trabalho, como agora tinha o costume de fazer quase todos os dias, para que pudéssemos ficar juntos, curtindo um ao outro antes de seu companheiro de quarto chegar.

            Mas naquele dia, Greg ficou preso no local de trabalho dele, devido a nevasca. E certamente eu não poderia ir embora, já que estava escurecendo e o ônibus estava fora de circulação por algumas horas. Mas você apenas sorriu e deu de ombros, dizendo que podíamos assistir um filme enquanto isso. Lembrando disso agora, soa até engraçado.

            Você se lembra da nossa primeira vez? Talvez não tenha tido um significado tão especial para você quanto pra mim, mas...

            O que mais me marcou foi o modo como você me abraçou, como suas mãos me seguraram, me abraçaram o tempo todo, me ancorando a realidade.

            Nenhuma outra pessoa me fez sentir o que você me fez sentir naquele fim de tarde. A nevasca que caía lá fora era o contraste gritante do incêndio que criamos naquele quarto.

            Eu acho estranho estar lembrando de tudo isso agora, quando tudo que tivemos foram três meses. Três meses que mudaram a minha vida, mas apenas isso. Quando acabou, trocamos telefones, prometemos manter contato.

            Mas tempo e distância são coisas engraçadas, não acha?

            Você se lembra daquele tolo garoto que um dia te amou em poucos minutos?

            Acho que tudo que nos restou foram rastros na neve daquele lugar, daquele canto do mundo, que uma dia era nosso mundo.

            Mas assim como rastros, a nossa história se apagou.

FIM

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