Terrores Urbanos Modernos: No Açougue

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O dia estava tão quente que até minha caminhada de cerca de 20 metros entre o local que estacionei o carro e aquele lugar repulsivo me faziam sentir que a qualquer momento eu pularia e viraria do avesso, tal qual um milho de pipoca na panela. De fato, adoraria que isso acontecesse. Poucos eventos me seriam tão aterrorizantes quanto encarar este desafio insano.

"É aniversário surpresa dele... Os pais dele vão vir... Preciso ser forte" - Repetia comigo mesma, insistentemente para me encorajar a chegar àquele antro repugnante de sofrimento e dor.

Nem bem senti o cheiro daquele lugar e já precisei respirar fundo. "Aquelas aulas de yoga tem que servir para alguma coisa". Conentrei-me, enchi meus pulmões com o falso ar de quem sabe onde vai e fui caminhando até aquela exposição de horrores.

Precisei elevar minha mente para outros lugares enquanto tentava identificar uma estratégia de escolha entre as embalagens expostas ali. Disfarçadamente, peguei meu celular, fingindo estar sendo importunada com alguma mensagem importante que interrompia meu ritual de compra, mas estava efetivamente lendo as instruções que Léo me passara, oferecendo-se para sacrificar-se no meu lugar. Antes tivesse aceito. Eu achava que estava pronta para encarar tão árduo desafio, mas de fato não estava e nunca estaria.

Ao mesmo tempo que tentava me concentrar para cumprir ali meu objetivo, agilizava para que não fosse reconhecida ali. "Juliana? Você aqui?", eu já imaginava a reação de algumas pessoas que encontraria ali.

Tentando manter minha pseudo-naturalidade das duas semanas de oficina de teatro que participei na adolescência, segui observando todas aquelas embalagens expostas ali. Ajeitei meus óculos e me aproximei o máximo possível dos itens ali, sem tocá-los. Olhando ao redor, percebi que estava "me entregando" de uma certa maneira, pois o comportamento padrão ali era pegar as embalagens com as mãos, sentir o seu peso e observar seu aspecto geral.

Fechei meus olhos e, respirando mais uma dose de falsidade, arrisquei-me a manusear uma daquelas embalagens. Vou demorar para esquecer-me daquela textura molenga, pesada e gelada que, só de tocar já foi capaz de arrancar algumas contrações involuntárias do meu estômago.

"'Contra-Filé'... e pensar que esse poderia ser um nome interessante para um perfil vegano"... Até isso esses insensíveis estragaram. Um dos funcionários do estabelecimento aparentemente descobriu meu disfarce (na verdade segurar a embalagem usando apenas o indicador e o polegar, tentando fingir não ter nojo de tudo aquilo deve ter me denunciado) e, educadamente, me questionou:

- Precisa de ajuda, senhora?

Naquele momento, a minha educação encarnou-se atrás de mim e me segurou para não agredir aquele promotor de sofrimento alheio. Ajeitei meu cabelo e respondi:

- Obrigada, mas ainda estou decidindo o que vou levar... Se precisar eu te chamo.

O funcionário afastou-se sem saber que sua integridade física correra um grande risco de ser atingida. De fato, ele só era um pequeno e frágil elo de toda cadeia podre que envolvia a morte e comércio daquelas belas criaturas de Deus e eu não iria me sacrificar por tão pouco.

Percebi que havia espelhos por trás das embalagens, ajeitei meu cabelo, dei um confere básico na maquiagem e prossegui ali procurando a tal da 'Alcatra'. Ainda mexendo naquelas embalagens e segurando meu estômago que queria revirar todo o meu belo café da manhã pelo chão, prossegui até me dar conta de algumas imagens gigantes plotadas sobre as prateleiras que tornavam todo aquele crime ali ainda mais grave: fotos dos pobres animais que sofreram para que os humanos se alimentassem.

Não aguentei... Larguei ali mesmo minha cesta vazia e saí daquele inferno para derramar algumas lágrimas de condolência àquelas inocentes almas.

Terrores Urbanos Modernos 2: No AçougueWhere stories live. Discover now