2 - Coragem

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Finalmente é quarta feira, não que esteja esperando que aquela garota volte. Mas é exatamente isso que eu estou fazendo, e por isso eu preciso que ela não venha. É melhor me magoar agora do que depois.

Odeio admitir mas passei o dia todo esperando, a cada momento que a porta se abria eu me sentia mal por não ser ela e pior por estar esperando que fosse.

Sim, ela era esquisita e eu mal a conheço, mas quando vou ter outra chance de conversar com alguém da minha idade?

...

Já são cinco e meia e o horário de visita termina às seis, ela não vem.

Suspiro e amaço o papel que ela deixou aqui e, logo em seguida, o jogo longe.

Alguém bate na porta.

- Não estou com fome - digo.

- Que bom - ela diz. - Eu não trouxe comida. Posso entrar? - pergunta ainda na porta.

- Pode - digo baixo.

- Eu ia vir mais cedo, mas a mãe da Emy não deixou ela vir e ela não queria que eu fosse embora e...

- Você não precisa se explicar - digo frio. - Ou se obrigar a vir só porque disse que faria.

- Eu não estou me obrigando a vir - diz ofendida. - Se não quisesse não estaria aqui.

- E por que está? - pergunto irritado.

Não sei porquê estou irritado com ela, mas simplesmente me irritou o fato dela ter chegado agora e de ter se desculpado por não ter vindo mais cedo.

Eu não faço de propósito, mas não vejo o porquê de ela vir me ver.

- Não sei - ela diz se sentando no sofá. - Deu vontade.

Encaro-a incrédulo, isso não faz sentido. Como alguém tem vontade de ir para o hospital?

- Você deve estar achando que eu sou uma louca, não é? - ela ri. - A gente nem se conhece e eu estou aqui deitada no sofá do seu quarto - diz cruzando as pernas por cima do braço do mesmo e depois me encara. - Mas eu gostei de você.

- O quê?

- Você parece ser legal - diz sem dar muita importância.

- Você... - eu queria ter coragem suficiente para mandá-la embora, ninguém precisa de uma amizade com prazo de validade, mas não consigo. Realmente faz muito tempo que não falo com alguém da minha idade e quero saber como vai ser. - consertou o corte de cabelo?

- Sim - ela levanta animada e vira de costas. - O que você achou?

- Ficou bom - falo por falar.

- Eu não acreditei muito - ela diz. - Mas tudo bem - ela se deita novamente.

E ficamos em silêncio, ela olhando para o teto e eu olhando para ela.

...

- Quantos anos tem? - ela me pergunta depois de uns dez minutos.

- Vinte - digo e a sala fica em silêncio novamente.

Não um silêncio confortável, um silêncio constrangedor, porque nenhum dos dois sabe o que falar. E agora só quero que o horário de visitas acabe para eu poder ficar sozinho novamente. Não que ela seja o problema, eu sou. Faz tanto tempo que minhas conversas são somente com pessoas de jaleco, que não sei como me relacionar com as pessoas. E eu não gosto delas, com seus olhares de pena e seus discursos pré-escritos dizendo que estão rezando por mim e que tudo ficará bem, como se realmente acreditassem nessa merda.

Encaro a garota novamente e ela está dormindo, como conseguiu dormir aqui? Naquele sofá menor que ela, com o ar-condicionado baixo para evitar a proliferação de doenças e as máquinas apitando, a facilidade com que fez isso é inacreditável.

Minha mãe já dorme aqui faz três anos e não tem a mesma facilidade. No primeiro e no segundo ano, eu sempre a observava fingir que estava dormindo, ela sempre levava horas para conseguir fazê-lo de verdade, e esperava que eu estivesse dormindo para poder chorar.

Mas eu também não conseguia dormir, eu odiava esse lugar, então sempre a escutava.

Eu sei que que quando fiquei doente eu acabei com a vida dos meus pais.

Minha mãe mal trabalha para ficar aqui comigo e meu pai só faz trabalhar para pagar as despesas. Se eu não tivesse ficado doente seria muito mais fácil para eles. As vezes penso no que teria acontecido se os primeiros testes que fiz três anos atrás não tivesse dado certo, se eles estariam mais felizes agora.

A garota se mexe no sofá e enxugo o rosto, mas ela não levanta e vai embora, apenas se encolhe para ficar mais "confortável" ou simplesmente passar o frio.

Então a enfermeira abre a porta me assustando.

- Ela vai dormir aqui? - pergunta.

Não sei se devo acordá-la ou não.

- Sim...? - digo mas sai como uma pergunta.

- O.K. Daqui a uns dez minutos o médico vem colocar os remédios. Você quer comer algo?

- Não - ela começa a ir embora. - Mas pode, por favor, trazer algo para cobri-la?

- Claro - ela sorri e sai.

Ouço a porta abrir e finjo estar dormindo pensando que é o médico, mas sinto minha mãe beijar minha testa.

- Fico feliz que achou uma amiga. Eu vou dormir em casa hoje - ela diz baixo e sai.

Novamente estou chorando.

Que merda. Devo ser o homem mais frouxo do planeta. Limpo o rosto e respiro fundo.

Eu realmente tenho que me afastar dessa garota antes que algo aconteça. Antes que eu realmente me apegue a ela. Antes que eu não consiga afastá-la para que ela também não se apegue a mim.

Todo mundo ia que eu estou bem, que a doença não pode me matar. Mas mesmo assim, ainda acho que é uma coisa possível. E me faz sentir mal.

Por que isso aconteceu comigo? Eu nunca fiz nada para ninguém, talvez algumas brigas, mas eu nunca matei, torturei ou qualquer coisa do tipo.

Por que eu tenho que ficar aqui? Por que não outra pessoa?

Ouço o barulho da máquina que controla meus batimentos acelerar e tento ficar calmo.

O médico entra na sala.

- JungKook, o que aconteceu?

- Nada - digo limpando o rosto.

- Você pode falar, eu...

- Eu já disse que não foi nada. Só coloque os remédios e vá embora.

Ele suspira e faz o que eu pedi.

Poucos minutos depois eu durmo.

Forever - JJKWhere stories live. Discover now