O grande dia

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Vejo minha mãe correr de um lado para o outro, minha irmã tenta acalmá-la, mas pobre coitada, não conseguirá domar o touro, está grávida de sete meses e seus tornozelos já estão maiores que uma tangerina. Eu poderia tentar destravar minhas pernas e correr para dizer-lhe... " Tenha dó dos seus nervos, mulher", mas tenho certeza que ela quebraria um vaso na minha cabeça.

Desvio a atenção para o copo de água gelada a minha esquerda, gotas escorrem por sua superfície, e por algum motivo isso me irrita, deve ser pela ansiedade e total falta de controle. Mas para nossa salvação Ana Luiza entra pela porta já pronta para cumprir as obrigações que eu lhe incubi quando a chamei para ser meu padrinho. Ela vai até minha mãe, a olha nos olhos com a expressão mais brava que consegue e por fim, entrega-lhe um pacote de Kit Kat. Meus ouvidos agradecem.

Em seguida, anda determinada até Jéssica, minha irmã; a auxilia a sentar-se na poltrona mais próxima, vem em minha direção, pega o copo d'água, volta para a gestante e entrega-o, em seguida pega o banquinho acolchoado e põe os pés da grávida em cima. Ela é a solução dos meus problemas.

- André! - A ouço chamar por meu nome, mas estou tão aéreo que mal consigo vê-la se aproximar.

Sem esperar tomo uma chacoalhada.

- Acordei!

- Ok. Sua noiva está a caminho, a igreja está praticamente lotada, sua avó está aporrinhando seu avô e a esposa dele; entro aqui e tia Melissa está tendo um ataque. Queria ver sua irmã abortando agora? O que há de errado com você?

- Desculpa, desculpa, descul...

- Já entendi. Levanta daí homem, é um casamento, não um acerto de contas.

Meio metro tem razão, de maneira nenhuma posso deixar a maluquice da minha família seja hereditária, se eu arrumei uma mulher que finalmente quisesse casar comigo, posso entrar na igreja e esperá-la subir até o altar. O que há de mau nisso?

Tenho certeza de que se Aline tivesse deixado colocar "Anunciação" de Alceu Valença no lugar de uma pop adolescente dos anos 90, eu estaria um pouco menos nervoso e desconfortável. Talvez esse tenha sido o motivo de estar tão incerto dessa união. Como posso querer casar com alguém que não suporta Alceu Valença? Estou perdido. Ele teria desistido de casar, caso a esposa dele não tivesse aceitado entrar com uma música minha?

O que estou pensando? Não sou músico.

Mas venha comigo.

Enquanto Ana Luiza e eu estávamos no carro cantando todas as frases e versos de Eduardo e Mônica, Aline estava no banco de trás com os fones no ouvido contentando-se com um cantor de sertanejo, popular por sua má fama, e na boa, quem escuta sertanejo num fone de ouvido? Tudo bem, gosto musical. Ana Luiza e eu amamos Legião. Somos totalmente desconstruídos e intelectuais? Não. Pouco aprendemos com as músicas.

Eu não me prendo aos clássicos, gosto de música para valer, mas são eles que possuem meu fraco coração. Ana Luiza entende, sempre entendeu. Ela prefere rock pesado, entretanto, não dispensa um playlist de Engenheiros do Havaí, comigo.

Um outro exemplo foi quando fomos nós três à sorveteria, Aline com sua cara fechada de sempre (parecia sempre estar brava quando saiamos juntos) escolheu um sorvete fit, sem açúcar, disse que precisava emagrecer. Ana Luiza e eu temos gosto para sorvetes diferentes, mas mesmo assim nos completamos. Ela toma baunilha com sonho de valsa e eu morango e maracujá, um combina e difere do sabor do outro de maneira eficiente.

Aline assiste game of thrones, pois uma amiga sua da faculdade, disse que fazia parte da personalidade dela, segundo o signo. A pobre via meu pai assar mosquitos com aquelas raquetes elétricas e sentia vontade de vomitar. Quando viu o episódio em que os Starks são massacrados num jantar, não conseguiu jantar.

Já Ana Luiza prefere Vikings, nada é perfeito, no entanto, não deixou de assistir comigo um episodio sequer de Got. Ela é minha fiel amiga e esteve comigo desde sempre. Quando mais novos, não lembro de uma vez em que estivéssemos de férias e eu não a convidasse para ficar na casa dos meus avós comigo, a maioria das vezes ela aceitava, a minoria, dizia "Larga do meu pé, garoto, não aguento mais sua cara!". Perfeito.

Espere, como cheguei até aqui?

Olho para frente e atesto a veracidade das palavras de Ana Luiza, a igreja está cheia. Não conheço a maioria, devem ser todos da parte de Aline, sou anti social demais para, em vinte e quatro anos, ter conhecido tanta gente. Viro-me para esquerda e lá está ela, meio metro, vestida num longo vestido azul e calçada no seu tênis favorito, all star. Ela disse que dá sorte, a presenteei no seu décimo quinto aniversário. Sim, ainda cabe no pé, se brincar mandou fazer o vestido sob medida, de tão pequena. Quem com vinte e três anos, mede um e cinquenta e oito?

Mostro para ela que estou confiante, não quero que todo sufoco que passou para me fazer vestir esse terno tenha sido em vão.

Nós passamos o dia inteiro na rua, mas não achamos nenhum terno da cor que Aline queria, azul marinho com lapela branca. Mas devo admitir que foi um dos melhores dias da minha vida. Aproveitamos para tirar fotos, brincar no bate-bate do parque de diversões (só nesse, a medrosa morre de pavor de altura. Não é nenhuma novidade). Fizemos amizades com mais vendedores do que os dedos podem contar, culpa dela, ela é extremamente carismática e ninguém que a conhece diz diferente.

No fim desse mesmo dia, quando estávamos a sós novamente, esperando as dez pizzas brotinho ficarem prontas, enquanto comiamos um cachorro quente para tapar o buraco do dente, ela me olhou com ternura e uma lágrima caiu de seus olhos. Fiquei apavorado. O que eu havia feito para fazê-la chorar? Minha fiel escudeira, segurou uma das minhas mãos com bastante força, como se algo de ruim estivesse prestes a acontecer e disse:

"Eu quero tanto que você seja feliz, zé mané".

As lágrimas eram de tristeza, conheço cada detalhe dela, mas era impossível saber no que estava pensando, afinal, isso sempre foi impossível para qualquer um. Ela nunca foi muito de expor o que sente, eu sempre adivinho, no entanto, dessa vez, foi diferente. Soltei sua mão e toquei seu rosto. De maneira nenhuma podia deixa-la chorar. Faltava um mês para hoje.

Noite passada a encontrei arrumando as malas, vai passar um tempo no Chile. Meu coração se partiu. Então foi a minha vez de segurar forte sua mão, e nós dois acabamos chorando. Como faremos um sem o outro? Somos André e Ana Luiza. A ideia de ser apenas André é de apavorar.

De repente escuto o som dos violinos ecoando por toda igreja, Aline está aqui. Uma mulher contratada por Aline começa a cantar a música que me faz ter vontade de estourar os miolos. De novo, volto-me para a garota de cabelos pretos à minha esquerda, só aí demonstro meu desespero.

Casar com Aline significa perder Ana Luiza? Mas somos amigos, certo? Eu a amo. Amo muito, somos uma dupla. Eu sinto amor por Aline, afinal, estamos casando... Ou não? Quantos "Ana Luiza", já pensei hoje? Eu deveria estar pensando nela tanto assim?

Dou um pequeno passo em sua direção, quase que imperceptível a todos, pois estavam com toda atenção em Aline. Ana Luiza sorri, algumas lagrimas caem dos seus olhos e por fim, balança a cabeça em negativo. Depois volta-se para noiva que agora está praticamente ao meu lado.

As pessoas se sentam, Aline apega-se ao meu braço, beija-o fracamante, da forma carinhosa que sempre fez. Mas meu coração está tão calmo agora. Por quê? O que significa? Nossa, a noiva é tão linda, parece que anjos a esculpiram.

- André? - Ouço uma voz masculina me chamar a tona.

- Oi?

- Você aceita Aline Figueiredo Amaral como sua legítima esposa, prometendo respeitá-la e amá-la até que a morte os separe?

Olho para minha esquerda novamente e ela não está mais em seu lugar.

Adeus Mônica, de seu eterno Eduardo.

- Aceito.

💫 Alê Saldanha

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