Um Escândalo para Cecília - Spin-off da Série Belle Époque (Em breve na Amazon)

Capítulo 01

— Cecília! – Manoela invade meu quarto como uma louca. Sempre fora mais expansiva do que eu. — Não vai acreditar em quem estava no casamento de Thales!

— Não posso imaginar! – Reviro os olhos, largando o livro que estava lendo em cima da cama. Manoela não me daria paz até me contar cada detalhe do casamento do primo dos Gusmão de Albuquerque. Fazia uma semana que ela e meus pais, junto ao nosso irmão Neto, haviam viajado para São Paulo porque o filho mais velho de Berenice e Eliseu finalmente se casaria depois de um namoro um tanto longo para o decoro. O pobre sofreu para convencer a noiva em aceitá-lo como marido. Mas compreendo Telma, em seu lugar, teria feito o mesmo em se tratando de um mulherengo como o primogênito dos Padilha.

— Que casamento perfeito, Ceci, e digno da realeza! Tudo absolutamente estupendo. – Minha irmã leva as mãos ao coração, por sonhar com seu próprio casamento. Acredito que não lhe faltem pretendentes, já que é muito bonita. Foi a filha a quem mais puxou à mamãe, loira e de olho azul. Porém, seu gênio obstinado e sua inteligência eloquente que dizem ter puxado de nossa avó Manoela acabam por assustar os cavalheiros. — Uma pena que coincidiu com a temporada de espetáculos do Municipal. – Volta a exigir minha atenção.

De fato deveria ter sido o casamento do ano, e toda a família aguardava ansiosamente pelo enlace. Pena que minha agenda de espetáculos não permitiu que eu pudesse me juntar às festividades e tive que permanecer no Rio de Janeiro enquanto todos estavam em São Paulo. Eu não podia abandonar a companhia justo na minha primeira temporada como primeira bailarina do Teatro Municipal. Havia me dedicado muito para chegar até ali e não decepcionaria quem havia acreditado em mim.

— Mas me diga, quem estava no casamento? – Pergunto ansiosa para saber.

— Matthew! – Minha irmã sorri por lembrar que o Gusmão de Albuquerque havia sido meu amor de infância.

Nascemos com poucos meses de diferença e crescemos praticamente grudados, tão unidos que acabei acreditando que nos casaríamos quando adultos. Uma ilusão que despedaçou meu coração quando Matthew tomou a decisão de terminar seus estudos na Inglaterra, viajando para lá e me deixando para trás como uma sapatilha velha.

Desde então não tenho feito outra coisa a não ser me dedicar à carreira de bailarina e recusar pretendentes, desacreditada no amor.

— E como ele está? – Pergunto, sabendo que não deveria tê-lo feito, trazendo lembranças que deveriam ficar guardadas para sempre.

— Muito bonito, como já sabemos! Mas penso que está mais atraente do que quando saiu do Rio de Janeiro. Cecília, minha irmã, Matthew voltou mais misterioso, sei lá! – E provavelmente comprometido com uma inglesa, penso. — E não! Ele não tem namorada. – Manoela sorri novamente, provavelmente alimentando ideias descabidas. — É sua chance!

— Minha chance para quê? – Faço-me de desentendida. Talvez assim minha irmã desistisse de qualquer ideia de nos reaproximar.

— Ora para quê, Ceci?! Para conquistá-lo. Ele voltou! E não era isso que tanto ansiou nestes últimos anos?! – Manoela pega minhas mãos e acabo enternecida por sua preocupação. É a melhor irmã que alguém poderia ter. Herdou o nome de nossa avó paterna, assim como eu herdei o patronímico de nossa avó materna. Nossos pais não foram os mais criativos na escolha de nomes para os filhos. Meu irmão foi batizado com o nome de nosso avô, que também é o nome de nosso pai. E assim, todos nós acabamos ligados ao passado deles de um forma ou outra. O próprio Matthew recebeu esse nome como uma homenagem ao seu avô materno, que era um Duque, imagine só!

— É provável que Matthew nem lembre mais de mim! – Solto como uma confissão dolorida. Jamais me escreveu uma missiva sequer para me contar sobre sua vida na Inglaterra.

— Mas ele perguntou de ti. – Manoela suspira como romântica que sempre foi. Temo que ainda uma desilusão amorosa acabe lhe ferindo. É sabido que é mais esperta do que eu e evita os irmãos Gusmão de Albuquerque, embora Eric me pareça muito interessado em sua pessoa. Lady Penélope havia tido muitos filhos com Felipe Gusmão de Albuquerque e todos varões, com exceção de Laura. E devo admitir que é um mais lindo do que o outro. Possivelmente Eric lhe fosse um bom partido, a entenderia melhor do que qualquer outro, uma vez que as Gusmão de Albuquerque e suas agregadas eram mulheres a frente de seu tempo e não lhe seria uma dificuldade ter que lidar com mais uma.

— Por educação! – Respondo cada vez mais cansada da conversa. — Matthew perguntou por mera educação, afinal, é minha irmã e não faria tal desfeita.

— Pode até ser! Mas o importante é que você foi lembrada.

— Pois fique a senhorita sabendo que Matthew faz parte do meu passado e não pretendo trazê-lo de volta. – Aperto seu nariz. — Cada um de nós seguiu com sua vida e assim temos que continuar.

— Ah, pois duvido que ficarão muito tempo separados. Eram como unha e carne! – Minha irmã não desistirá e já considero a hipótese de ter que inventar uma desculpa das boas para que esqueça do assunto de uma vez por todas.

— Éramos! Pretérito Imperfeito do Modo Indicativo, minha cara irmã. O que significa que não é presente ou futuro. – Uso nossa língua para convencê-la. Manoela herdou o gosto pelas letras de nosso pai. Porém, não quis o Direito como carreira e foi à Universidade para estudar Língua Portuguesa e Literatura. Graças à modernidade, os tempos eram outros e nós mulheres já podíamos frequentar a universidade e até votar.

— Oh Cecília, esqueceste que o Pretérito Imperfeito é também conhecido como Presente do Passado? Que pode indicar uma ação do passado que continua a acontecer no presente? – Manoela sorri debochadamente por saber que não consigo ganhar uma dela.

— Acredito que deveria ter seguido a carreira jurídica! É tão brilhante com os argumentos que papai ficaria orgulhoso. – Solto entre risos.

— Quem sabe em um futuro ainda considere seguir a carreira política, assim como papai. Talvez quando nosso país sair desse engodo que Vargas nos impôs. – Manoela não se conformava com aquilo que havia denominado de golpe de Vargas. A década de 30 havia iniciado com grande apreensão política, e talvez Matthew estivesse certo quando tomou a decisão de se refugiar no velho continente.

— Bem sabe que eu sou uma artista e Neto sucederá mamãe na Cervejaria Alseben. Assim, sobra a ti seguir os passos de papai na política. Os ventos estão mais favoráveis às mulheres, querida! E depois de Carlota Pereira de Queirós ter sido eleita para a Assembleia Constituinte, outras lhe seguirão o exemplo.

— No momento, apenas quero me dedicar à Faculdade, Ceci. – Minha irmã revira os olhos, mas sei que lhe corre nas veias o furor necessário para encarar o mundo político. — De qualquer forma, haverá de encontrá-lo, Ceci! Hora ou outra o encontrará, já que retornou ao Rio de Janeiro, onde assumirá o Banco ao lado do pai. – Volta a falar de Matthew como a obstinada que sempre foi.

Matthew, diferente de seu irmão mais velho Phillip, sempre desejou assumir o banco da família e buscava com afinco por isso, estudando e se especializando para se tornar o sucessor do pai. Sua temporada em Londres ao lado de seu tio, o Duque de Cumberland, lhe seria de grande experiência.

— E Vovó Violeta? – Mudo a conversa propositalmente, pois Matthew era um assunto que não me apreciava tocar. E falar da viúva de nosso avô, a quem consideramos nossa avó, sempre era uma brilhante estratégia para desviar o foco de Manoela. Minha irmã era tão ligada à Violeta que até suas netas de sangue se sentiam enciumadas.

Carlota Pereira de Queirós foi a primeira Deputada Federal eleita no Brasil. Foi eleita em 1934 pelo Estado de São Paulo para compor a Assembleia Nacional Constituinte. 

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