Capítulo 2

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A manhã estava fria. Do lado de fora, a neve cobria o chão e os galhos das árvores. Amelia acordou com um fino raio de sol que perpassou as cortinas, mas não se pôs de pé. Passou bons minutos parada, olhando para o teto, esperando que algo acontecesse e lhe pusesse de volta à realidade. Mas era verdade: estava em casa. Depois de todo este tempo, finalmente estava em casa.

Levantou-se, foi até o banheiro e lavou o rosto. Debruçada sobre a pia, olhava seu reflexo mal cuidado no espelho de relance, e não conseguia sustentar o olhar. Sentia-se péssima. O corpo, assim como durante os anos em que ficou presa, sentia falta de algo a mais... A abstinência fora insuportável no início. Havia noites em que ela não dormia: se contorcia de dor, o nariz sangrava e ela sentia que a qualquer momento poderia enlouquecer. Mas agora era diferente. Ela sentia falta de si.

Não sabia mais quem era: tanto tempo dividindo uma cela com mais duas mulheres que a batiam quando falava sem permissão fez isso - ninguém gosta de viciadas... A mulher que um dia fora uma linda menina loira, olhava seu cabelo desgrenhado e ressecado no espelho e não reconhecia a feição atribuída ao nome "Amelia". Prendeu os cabelos num rabo de cavalo e voltou ao quarto para vestir-se.

Acabara de colocar um casaco bege de lã quando sua mãe batera à porta.

- Querida? Posso entrar?

Amelia foi até a porta e a abriu, com um sorriso triste no rosto.

- Oi, mãe...

A mãe percebeu o que havia de errado e disse:

- Amelia... por que não deixamos para procurar a clínica amanhã? Preciso ir ao salão e queria fazer um programa de mãe e filha... O que acha de ir comigo? - a mãe a olhava esperançosa.

Amelia virou-se de costas e começou a caminhar inquieta pelo quarto, até que por fim, parou, olhou para a mãe e com olhos sem muita confiança confirmou o programa.

Chegando ao salão, a mãe pediu às meninas que cuidassem bem de Amelia e fizessem o que achassem necessário, independente do valor. As mulheres desembaraçaram seus cabelos, a muito custo, e começaram a hidratá-lo. Enquanto estava com o produto no cabelo, uma outra mulher, mais baixa que a primeira, começou a passar um creme que arranhava em seu rosto. Surgiu outra, mas essa não podia ver, por conta dos olhos fechados. Estava mexendo em suas mãos e, depois de algum tempo, em seus pés. 

Quando tudo acabou, Amélia olhou-se no espelho. Haviam passado corretivo para esconder seus círculos fundos debaixo dos olhos, e conseguiram modelar o cabelo de Amelia de forma que em nada lembrava suas condições ao começo. Suas unhas estavam feitas, pintadas de um tom nude e Amelia sentiu-se grata. Aquela ainda não era ela, mas era quem ela precisava ser para conseguir sua vida de volta. 

Saindo dali, ela e a mãe foram tomar um sorvete e, em seguida, voltaram para casa. Na manhã seguinte, Amelia passou um batom rosa claro e deu pequenos tapas nas bochechas antes de colocar a única calça jeans que agora servia em seu corpo mais magro. Colocou um suéter verde musgo e pegou seu casaco de lã preto. À porta, calçou os tênis pretos e entrou no carro. Seu pai estava radiante. Olhava para ela com extrema felicidade e admiração. Pegou na mão da esposa por um breve momento, e juntos seguiram em direção à primeira clínica.

AmeliaWhere stories live. Discover now