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Você tem escolhas a fazer!

Agarro a única coisa que eu sei que é
minha
Ela está desgastada
Destruída
Puída
Caindo aos pedaços
Não segura mais nada
Afinal já tem
18 anos
Poderia essas palavras serem sobre a
Minha vida
Mas não
É sobre a minha
Mochila
Ela me sustenta
E nela tenho minhas preciosidades
Um
Pente
Um livro
Um colar
E algumas peças de roupas
mas não são meus
Eram de outras pessoas
Pessoas que passaram assim
Ó
Num estalar de dedos já não estavam mais do meu lado
A mochila em minhas mãos
Está comigo á 18
Anos
Quando eu cheguei dentro dela
Pequena
Mais precisamente
Minúscula
Sete meses
Rosto roxo
Quase morrendo
Mas
Sobrevivi
E venho fazendo isso há anos
Neste lugar
Que não é
Lar
Que não tem cheiro
De comida caseira
Que não me esquenta
Que não me ouve
Só me sustenta
Sustentava...
Agora
Tenho que ir
Embora
A menina de cabelos repicados
Olhos grandes
Bochechas pontudas
Coração
Partido
A menina de dezoito
Anos que nunca foi
Escolhida
Nunca foi digna de um olhar
De
Amor
Nem de uma
Família
Olho ao redor
As paredes brancas
A cama arrumada
O chão limpo
Tudo que nunca foi meu
Agora os portões da liberdade
Me chamam
Já não posso ficar mais aqui
Mas o medo me agarra
Me prendendo ao chão
Aquela menina de cabelos repicados
E olhos com lágrimas
Pra onde eu vou?
O que vou fazer agora?
São perguntas frequentes
De pessoas perdidas
Antes de mim
Era Heitor
Antes dele era Alice
E antes dela eram outras
crianças
Por quê como podem nos chamar de adultos
Quando mesmo aos dezoito não temos
Ninguém
Não temos planos
Só o que sabemos é que para fora dos portões tem um
Mundo
Um mundo em que
DROGA
Nunca ouvimos falar
Nunca vimos
Nunca vivemos
E quando a liberdade nos atinge
Também vem a
Solidão
O medo
O frio
A
Fome
E então como todos os outros
Há apenas uma saída
Ceder aos chefes que nos rondavam noite e dia
Sabendo
"Eles não tem pra onde ir"
E assim nos recrutando
Para o
Crime
Para pôr em nossas mãos
A arma
E para matar os nossos
Sonhos
Heitor queria ser médico
Mas na verdade está costurando
Bandidos rasgados
Alice queria ser professora
Mas está ensinando os seus filhos
A não chamar o chefe de pai
Aos outros que só cheguei a ouvir falar
Estão mortos
E
Eu?
Bom
Eu não sei
Vai ter uma mão estendida pra mim?

Na verdade não tinha ninguém
Os portões foram fechados
A rua deserta e esburacada me
Pergunta
E aí?
Esquerda ou direita?
E eu penso
Penso, penso, penso
E então caminho sem direção, sem saber o que tem depois daquela curva
Passo horas talvez dias
Tentando achar a direção
Talvez meses
Anos
E mais
Anos
E ainda estou aqui
Nessa vida
Olhando a mesma rua
com buracos a mais
E uma curva
A diferença ?
Eu sei o que tem depois dela
Depois dela tem
Um portão
Que pra mim hoje
Ele se abre
Me mostra o funcionamento
As regras
Os funcionários
Os quartos
O quarto
que um dia foi meu
Ainda
Sem vida
sem vestígios de que um dia estive ali
Mas estive
E a partir de hoje
Ele será pintado
Terá estantes
Variedades de livros
Muitas almofadas e brinquedos
Por que hoje
Tem uma nova
Dona.

AgoraTenho que irEmboraA menina de cabelos repicadosOlhos grandesBochechas pontudasCoração PartidoA menina de dezoito Anos que nunca foiEscolhidaNunca foi digna de um olharDe AmorNem de umaFamíliaOlho ao redorAs paredes brancasA cama arrumadaO chã...

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