a fumaça do trem era inebriante
indiscutivelmente inebriante
de uma forma ruim, de uma forma que não cabia significado
mas tinha significado
o mesmo ou mais que carregava consigo uma fajuta carta de amor
presenciei ao meu redor mãos calejadas
carregando suas malas
em busca de... atrás de...
eu também estava em busca de, atrás de
mas não carregava comigo nenhuma bagagem
de fardos eu já estava cheia
em mãos já tinha feridas
na cabeça, uma morada insatisfeita
olhei para trás ao embarcar no trem
não deveria, porém
olhei porque, por causa de
e me olhei olhando ao redor
querendo saber se me encontrava só
não estava, afinal
cabeças voltadas para trás era a mais sincronizada coreografia
uma obra a ser pintada
a desistência e a saudade levada na mala
no sacolejo do trem
temi descansar a cabeça na janela
estava com medo de dormir e acordar
assustada e com o peito vazio
personificando ao meu lado o meu lado
medroso e sombrio
a viagem não era uma ilusão
ah! uma ilusão
mas me iludia mesmo assim
quando eu já estava longe o suficiente para, enfim, respirar
o trem insistia em voltar
nos vemos semana que vem, amigo!
