I- Fantasmas

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Para Peter, a definição de dia perfeito era conseguir pelo menos até as seis da manhã, o que não conseguia fazer a muito tempo, visto que seus últimos dias tinham sido uma pequena confusão. Digamos que, fugir de helicópteros, homens armados com fuzis e metralhadoras e não ser visto não era lá aquilo que se pode chamar de tempo tranquilo. Para falar a verdade ele até que levava tudo muito bem para um adolescente, todos sabem, essa não é a melhor fase da vida para se passar por tantos problemas, já existem neuroses demais próximo aos dezoito anos, e a situação do mundo atual não estava nem perto de melhorar para o lado dele, ou de qualquer outro que fosse semelhante ao garoto.

Depois de a primeira bomba que explodiu a dez anos atrás, Peter se lembra que foi como uma dança, você fecha os olhos e apenas segue o ritmo da música, a música em questão eram sons tão altos quanto o grito mais estridente, ainda mais para uma criança, e o ritmo que ele seguiu foi o de correr pela casa enquanto tapava os olhos, um comportamento automático que ele tinha quando estava com medo. Depois da explosão, de tudo ter ficado escuro veio a luz, pelo menos o governo chamava de luz, uma organização que foi mandada para resgatar sobreviventes das armas químicas que haviam sido jogadas contra o mundo, ele acordou quando era tirado dos escombros, a mão de seu pai estava segurando seu antebraço com força, e ele demorou pra perceber que o sangue espalhado pelo chão era do homem que o criou e não dele, tudo bem, ele ainda tinha uma mãe certo? Errado, a mulher estava olhando indignada para a cena onde seu marido estava sob vários pedaços de madeira, a maioria espremendo seu corpo pelo chão, isso pode mudar a mente de uma esposa apaixonada.

Peter acordou no meio da floresta, não sabia se haviam sido as gotas de chuva que tinham começado a ficar mais fortes ou o sonho sobre o fatídico dia em que viu os olhos de seu pai perderem a vida, de qualquer forma foi até bom, o sol já estava nascendo, e a pressupor pelo clima um tanto quente já eram quase sete horas. Ele desmontou acampamento e foi embora, o que não demorou nada já que seu "acampamento" era basicamente um pano posto no meio da grama de uma clareira que ele usava para dormir e uma fogueira já quase morta pelas gotas da chuva que haviam se tornado o início de uma tempestade. Ficar no meio de uma floresta com chuva forte não era a melhor ideia, a menos que quisesse ser esmagado por uma árvore, o que não deve ser a melhor forma de morrer. O cheiro breve da brisa de chuva chegou a agradar suas narinas por um segundo enquanto ele ajeitava seus cabelos, negros como a noite mais densa e num estilo repicado que lhe dava um jeito sério demais. Seus olhos tão castanhos que quase se tornavam negros estavam focados no caminho, nesse momento começou a correr. Ele corria como se algo o estivesse perseguindo, mesmo que não houvesse nada para trás ele continuou chocando seu corpo contra folhas grandes e também contra a chuva enquanto corria, a clareira havia sido deixada para trás dando início à floresta estreita e fria, estranhamente parecia duas vezes mais frio lá dentro do que na clareira, mas Peter não ligou, ele continuou correndo como se não houvesse amanhã até o primeiro tiro. Quando a bala se chocou contra o chão uma quantidade pequena de terra subiu e o garoto soube que eles haviam o encontrado, na verdade, foi quando diversos outros tiros acertaram o chão e as árvores. Um enorme helicóptero de pintura camuflada se projetava atrás do jovem enquanto homens atiravam incansavelmente de uma das portas, isso faria qualquer um deitar no chão e implorar por misericórdia, mas ele continuou a correr passando pelas mais diversas coisas, desde um pequeno conjunto de choupanas de madeira (que eram assustadoras inclusive) até um próprio avião destruído sobre diversas árvores. Parou de correr apenas quando se sentiu seguro, o helicóptero já não estava mais as suas costas, talvez as árvores tivessem o ajudado a despista-lo, mas sabia que não seria por muito tempo, tempo, algo que ele nunca tivera muito. Sua mente rodeou um pouco seu passado apenas em um breve momento que se distraiu, Peth lembrou de um dia em específico, o qual ele estava olhando fixamente para os ponteiros do relógio do hospital, não via sua mãe a uma semana, já que pouco tempo depois da tragédia com seu pai, sua mãe havia entrado em trabalho de parto, estava tudo mais tenso, ela passou uma semana sem falar com ele, tecnicamente o pai havia morrido tentando tirá-lo dos escombros, sem êxito, acabou ficando por ali mesmo, agora, o estresse havia a deixado quase que louca, e isso fez com que o bebê chegasse mais cedo, agora até as mãos de Peter soavam frio enquanto ficava inquieto sobre a poltrona dura do lugar, via pessoas passando para lá e para cá felizes, mesmo com todos os problemas que tinham tido, a final de contas estavam vivas, diferente de mais de 47% da população mundial, que acabou morrendo com as bombas, então os ouvidos de Peter focaram no choro alto que ecoou pelo corredor do hospital.

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