Antes de se criar o mundo, criou-se a síntese. O extenso é maçante. A maçã do Eden pecou em ser a síntese do proibido, não o provérbio do permitido. O ser humano é deveras inclinado a resumir tudo que lhe é apresentado e contestar tudo que lhe é resumido. Ao se resumir um pecado, contestá-lo é inevitável, daí nossa queda do paraíso.
Ora, mas os adágios ainda existem, mesmo sendo nossa ruína. É simples, leitor, o raso é cômodo: não há perigo de afogarmo-nos nas profundezas de uma ideia ampla. Ser ou não ser realmente é a questão: mas qual é a resposta, quando sabemos apenas a pergunta? Não se pode pisar duas vezes no mesmo rio, mas nos banhamos todos os dias nas águas correntes de nossas ignorâncias.
Esgoelamos o tempo todo ideias prontas, dissemináveis, dogmáticas. Se alastram com facilidade. Somos as folhas secas farfalhando em meio a fagulhas de frases prontas que inflamam almas voláteis, combustíveis fieis que viram cinzas sob a influência dessa fonte de energia radioativa.
A alegoria da caverna parece permear nossas ações até hoje. É mais confortável enxergar sombras, elas não ofuscam, não nos cegam e jamais nos contestarão. A luz, por outro lado, é afrontosa. Entra no fundo de nossa retina e irradia sua dualidade reconfortante e desconcertante. Ideias são dolorosas, precisam ser desdobradas e exploradas. A conclusão de uma ideia não traz sofrimento porque o processo não mais existe.
Saiba leitor, que mesmo criticando nossa insossa necessidade de resumir o mundo a nossa volta, vim escrever exatamente sobre um adágio sobre adagas: "Afiam-se duas adagas igualmente, mas jamais afiarão-se as almas de quem as portam". Veja só, as ideias sempre são as mesmas, mas divergimos de acordo com nossa necessidade de luz e sombra. Você, que chegou até aqui, prefere o conforto do crepúsculo refrescante ou a agitação de uma aurora resplandecente?