Capítulo Um - A Revelação

35 5 7
                                    


Duvessa

A arquitetura gótica do internato deixava tudo obscuro e aterrorizante, mas Duvessa estava acostumada. Enquanto caminhava pelos corredores, observava as luzes que atravessavam os vitrais da escola. Cada vitral contava uma história; as imagens modificavam-se como se um filme estivesse passando por aqueles vidros. No tempo livre de Duvessa, ver aqueles vitrais a tiravam do tédio.

Empurrou a pesada porta de madeira e adentrou no banheiro, que por sua sorte, estava vazio. Duvessa colocou as duas mãos na pia e observou-se no espelho; tinha que estar apresentável para receber o dom. Os cabelos pretos e lisos caíam como cascata atrás de suas costas, longos e reluzentes. Os olhos cor-de-avelã destacavam-se de sua pele, negra como a noite. Com as mãos em concha, pegou um pouco d'água e lavou o rosto. Virou o rosto para cima e fechou os olhos, analisando qual seria seu objetivo naquele dia.

O dom é a magia mais poderosa de cada bruxo. Embora todos aprendam magias básicas em outras, é no dom que eles irão se especializar, e cada bruxo tem o seu. Alguns da sala de Duvessa já haviam descoberto seu dom, mas ela não. Hoje, o professor Vincent iria realizar a Cerimônia da Revelação, onde os bruxos que ainda não sabiam seu dom teriam oportunidade de descobri-lo.

Duvessa passou a mão pelo suéter cinza da academia, a fim de desamassá-lo, e também pela saia. Escutou o sino tocar, indicando o começo das aulas, e percebeu naquele momento o quão atrasada estava; tinha passado muito tempo no banheiro. Puxou a porta do banheiro e correu até chegar ao fim do corredor, onde subiu dois lotes de escada. Desesperada, chegou até a sua sala e a porta já estava se fechando. Duvessa posicionou a mão na frente do corpo e telecineticamente ela se abriu.

Quando entrou na sala, percebeu que todos estavam olhando para ela, e sentiu o rubor queimando suas bochechas. A sala de aula era dividida em quatro degraus, para que todos pudessem olhar os professores na frente; onde ficava disposto um círculo mágico a todo o momento, para ajudar nas aulas. Em cada degrau tinha quatro bancadas, e um espaço entre elas para que os professores pudessem passar. Em cada bancada sentavam-se três alunos, totalizando quarenta e oito lugares para que os alunos sentassem-se, embora Duvessa nunca tivesse estudado em uma sala com mais de trinta alunos; os bruxos são uma raça em extinção e o internato é secreto, o que dificulta a localização de jovens bruxos e por isso havia poucos alunos na escola. Duvessa já havia parado pra pensar no que acontece com os bruxos que não são encontrados pela escola; a ideia a entristecia.

Procurou desesperado um rosto conhecido, até encontrar Claire; a única pessoa no mundo que entendia Duvessa completamente. Correu até a bancada onde ela estava sentada e sentou-se no canto que a amiga havia guardado. Duvessa havia conhecido Claire há dois anos, quando elas entraram juntas no Internato Saint Cyprian Para Jovens Singulares, e sempre achou a menina uma das pessoas mais bonitas que já tinha visto. Ao seu modo estranho, é claro.

Claire tinha olhos violeta, herdados de sua família; o antigo clã de bruxas Matrine. O fato de ela raspar as sobrancelhas desde que tinha dez anos deixava as pessoas ao seu redor intrigadas. A menina sorriu, e seus olhos acompanharam o movimento, enquanto ela aproximava-se de Duvessa com seu corpo magro para conversar. O cabelo de um loiro claro cortado na altura do queixo tinha também uma curta franja. A visão dela como um todo lembrava à Duvessa das fadas.

– Como você acha que vai ser? – Claire sorria ansiosa – Eu mal posso esperar para descobrir o meu dom. Quando Morgana descobriu o dela não posso negar que morri de inveja!

– Eu tenho certeza de que você terá um dom incrível, Claire – Duvessa apertou a mão da amiga para confortá-la – E irá descobri-lo hoje!

Elas se viraram para frente quando o professor começou a falar.

– Sejam todos bem-vindos à Cerimônia Anual da Revelação, onde os jovens aqui presentes que ainda não descobriram o seu dom, terão eles revelados ainda hoje.

– Não que seja o meu caso – Morgana jogou o cabelo para trás enquanto ajeitava-se na cadeira com ar de superioridade.

Morgana Faychild era a pessoa mais detestável que Duvessa já havia conhecido. De nariz empinado, olhos acinzentados e cabelos negros com franja, ela colocava-se no topo do universo, e é claro que os idiotas ao seu redor a ajudavam, enaltecendo sua beleza dia após dia. Ela havia sido a primeira da turma a descobrir seu dom, mas na opinião de Duvessa ter o dom da telecinese não era algo pra se orgulhar. Embora a mágica dela fosse mais forte, mover coisas com o poder da mente era uma magia básica, que elas aprendiam desde o primeiro ano no internato.

– Muito bem! – o professor Vincent dirigiu-lhe o olhar – Mas mesmo assim, permanecerá na classe para que acompanhe a revelação do restante da turma. Vamos começar a organização!

Vincent deu palminhas e cortinas negras começaram a mover-se pela sala de aula, colocando-se em seus lugares. Ele pegou também algumas velas e um antigo grimório, colocando-os sobre um altar que estava disposto em cima do círculo mágico. Os alunos puseram-se em fila indiana na frente do altar, todos ansiosos.

Todos, menos Duvessa. Ela foi direto ao fim da fila, nervosa. Não sabia se estava preparada para descobrir, e tinha medo de ser uma sem-dom; bruxos aos quais o dom nunca foi revelado. Claire ficou na sua frente, e parecia incapaz de emitir palavra alguma. Em horas, ela ficava pálida e paralisada, em outras deixava escapar sorrisos. Tremia de ansiedade. Duvessa não conseguia nem olhar para o altar de tão nervosa; apenas escutava os gritos de comemoração de seus colegas.

Quando chegou a vez de Claire, Duvessa colocou a mão sobre o ombro da amiga, apoiando-a. A menina ajoelhou-se de frente para o altar e o professor Vincent proclamou palavras de um latim antigo. O círculo mágico levantou-se em labaredas de chamas esverdeadas e uma voz irrompeu pela sala, grave a ponto de causar frio na espinha de Duvessa. "Legilimência", sibilou. A menina ficou chocada.

Legilimência é a habilidade de ler mentes, mas um bruxo com esse dom não se resume a isso. Depois de muito treino e aprendizado, Claire poderia até mesmo controlar mentes. Controlar sentimentos, ver o que as outras pessoas já viram... era um dos maiores poderes que um bruxo poderia ter, e a maioria dos legilimentes trabalhavam na Suprema Congregação Bruxa. Claire levantou-se em um salto, agradecendo ao professor, e abraçou Duvessa, que também estava em êxtase. A menina correu de volta ao seu lugar para observar a revelação do dom da amiga.

Quando um bruxo descobre o seu dom, isso destrava toda a magia que estava canalizada dentro de si. Logo, Claire iria começar a ler mentes, não que isso assustasse Duvessa; elas já contavam tudo uma pra outra. Ela não tinha inveja de Claire, estava realmente feliz pela amiga, mas esperava que tivesse um dom tão poderoso quanto.

Duvessa ajoelhou-se com as pernas trêmulas diante do altar. O professor repetiu a mesma frase em latim, mas o círculo mágico não irrompeu em chamas, e nenhuma voz foi escutada.

Naquele momento, ela sentiu a maior vergonha de toda a sua vida. Estava absolutamente perplexa, e o silêncio da sala era ensurdecedor. Todos os colegas a olhavam, sem acreditar no que viam. O professor Vincent a olhou e falou aquelas tão temidas palavras.

– Duvessa D'Amore... Seu dom não foi revelado.

As lágrimas surgiram, quentes como o fogo.

O DomWhere stories live. Discover now