— Você está tão linda! — Afagou meus cabelos com carinho. — Ah! Como cresceu! É quase uma mulher agora — acrescentou, acariciando meu rosto com o polegar. — Graças a Deus seus olhos ainda são os mesmos da minha menininha.

O que eu estava fazendo? Não podia me deixar enganar. Aquilo tudo não passava de remorso dele por ter sumido sem deixar pistas, ou um jeito de fugir das explicações que eu exigiria quando não estivesse tão petrificada. Se ele pensava que podia me ganhar com um abraço e gracinhas, ele estava muito enganado.

— Sua menininha? — falei secamente, escapando dele com pressa. — Não precisa fingir. Você foi obrigado a me receber e sei que não se importa comigo. Nunca se importou. Não se incomode em começar agora.

Minhas palavras fizeram o sorriso sumir do rosto cínico dele no mesmo instante. Estava claro que parti seu coração e isso não me causou pena alguma. Ele também partiu o meu um dia.

A mente dele pareceu demorar para processar e eu até quis aproveitar a deixa para pegar minhas malas, mas fui impedida.

— Desculpe, talvez eu tenha exagerado — ele declarou, embaraçado, segurando meu braço. — Mas não estou fingindo. Meu coração está explodindo de gratidão a Deus. Pensei que nunca a veria de novo, minha filha.

Senti meu coração palpitar e segurei o ar. Precisava controlar minhas emoções.

— Por favor, posso pegar minhas tralhas para irmos embora? — Meu tom foi de súplica.

— Sim, claro. — Ele uniu os lábios e me acompanhou até o bagageiro. — Você está com fome? Sua avó está preparando um banquete real em sua homenagem, mas se não puder aguentar posso te comprar alguma coisa agora.

Meu Deus, que homem irritante! Eu já havia entendido o jogo dele, por que insistia? Por que não podia ser apenas como um agente condicional supervisionando um infrator?

— Não preciso de nada vindo de você — declarei, entredentes e, após conseguir meus pertences de volta, saí andando na frente.

***

O caminho da rodoviária até o sítio da minha avó demorou cerca de uma hora. A hora mais massacrante de toda a minha vida, sem dúvidas. O clima entre meu pai e eu era o pior possível desde que deixei claro meu desgosto por estar ali. Samuel parecia pisar em ovos ao formular uma pergunta simples, e eu também não fiz questão de ser simpática em minhas respostas. Era insuportável imaginar que aquilo era uma amostra de como seria minha vida nos próximos meses.

Percebi que estava bem perto do fim do mundo quando o sinal do meu celular sumiu, logo quando eu devolvia ao meu Instagram minhas melhores fotos sensuais que Rodrigo, por ciúmes, tinha me obrigado a apagar. O asfalto foi substituído por uma estrada de terra vermelha tão esburacada que me deu enjoo, e por muito tempo tudo o que vi foram árvores de um lado e outro. Demorou, mas os montes verdejantes e as casinhas distantes deram às caras e, já próximos do destino, passamos pelo que meu pai denominou de vilarejo, onde havia uma pequena praça com barracas de frutas para todos os lados. Entramos em mais algumas ruas, subimos uma ladeira íngreme e finalmente chegamos na entrada do sítio.

— Bem-vinda ao seu novo lar — Samuel disse quando seu carro velho e barulhento passou diante do cercado.

Eu não falei nada, mas me mantive atenta quando ele começou a descer com o carro por um morro, sendo impossível não me admirar com a beleza daquele lugar. Reparei nas colinas e árvores no horizonte. Elas eram grandiosas e impressionantes, ainda mais com o riacho que cortava logo abaixo. Chegando mais perto, vi o sítio no perímetro, delimitado pela cerca de arame que o separava de outras propriedades. Tudo ali era muito simples, verde e marrom. Havia alguns tipos de casinhas de madeira espalhadas pelo terreno, uma delas reconheci como uma baia de cavalo, e o outro Samuel disse que era um paiol, uma espécie de armazém, em outras palavras. Além disso, vi também um celeiro de tamanho considerável só para as galinhas ciscarem e não gostei muito quando o motorista me lembrou de certa parte obscura do meu passado ao contar que meu primo Miguel costumava me prender ali só para provocar. Também vi um chiqueiro com alguns porcos gordos, um pequeno pasto onde uma moça escovava um cavalo e, por fim, a horta e o pomar em frente à casa que, por sinal, era humilde também.

Do Deserto ao Jardim- DEGUSTAÇÃO Where stories live. Discover now