Sim, eu já estive lá quando ainda era muito pequena e possuía poucas e boas lembranças do sítio da minha avó, meus primos e tudo mais. Por alguma razão, minha mãe não permitiu que eu tivesse contato algum com a parte da família do meu pai. Eu entendia que o fato de ter se divorciado dele tornava tudo complicado, ainda mais porque ele era um cretino, porém, eu não queria ter me tornado uma completa estranha para todos, o que, sem dúvidas deveria ter acontecido.

Durante um bom tempo, tudo o que fiz foi refletir, ouvir músicas e observar cada detalhe das paisagens por onde o ônibus passava. Conforme me distanciava de São Paulo, o cenário foi mudando, tornando-se mais rural, com montanhas e vacas pastando aqui e ali, mas nem tão rural quanto eu recordava. Aliás, se eu podia dizer alguma coisa sobre Nova Canaã é que ela ficava, literalmente, no fim do mundo, por isso nem me animei quando entramos em Monte do Calvário, a cidade vizinha, até porque eu sabia de que ali, mesmo sendo um lugar sem sombra de dúvida muito melhor para morar do que a roça, não era meu destino. Na verdade, senti mesmo uma grande agonia ao concluir que estava chegando à minha primeira parada antes de ser condenada ao exílio.

Não demorou muito e, quando menos esperei, o ônibus entrou na rodoviária onde deveria haver alguém me aguardando na área de desembarque. O motorista estacionava devagar enquanto eu espiava pela janela, tentando encontrar alguém familiar. Não vi ninguém. Como raios eu saberia quem era o meu pai entre toda aquela gente, se tudo o que lembrava a seu respeito eram as vagas memórias de infância?

O desespero tomou conta de mim.

E se Samuel tivesse mudado de ideia? E se tivesse me rejeitado novamente? Seria muita humilhação.

Demorou algum tempo, mas logo vi um homem mais alto, usando roupas surradas e um chapéu marrom, que se destacava entre as outras pessoas ali. Eu tive certeza de que era ele.

Desviei o olhar no mesmo instante e senti minhas mãos transpirando. Não resisti, olhei de novo. Era ele mesmo.

Eu tinha tantas perguntas, mas meu choque não me permitiu formular nada. Fiquei apenas o analisando, buscando semelhanças entre nós que testificasse nosso parentesco. Eu era pálida e meus cabelos longos e loiros, já ele era mais moreno e seus cabelos castanhos. Ele também era bastante alto e magro, ao contrário de mim de estatura mediana, com as curvas nos lugares certos, como eu gostava de dizer. Ainda assim, as poucas características compartilhadas, como o formato da boca e a cor dos olhos, no caso, azul, me davam algumas garantias de que aquele era o meu pai.

Se eu apenas pudesse saber como ele se sentia. Será que queria mesmo me encontrar? Ele ficaria feliz ou irritado comigo quando me visse? Bem, o fato de andar de um lado ao outro, aguardando, denunciava que, pelo menos, estava ansioso. Eu também fiquei ansiosa de repente e, para manter as expectativas baixas, repeti para mim mesma que aquele era o mesmo homem que me abandonou há doze anos.

Na hora de descer, não fiquei sozinha nem por meio minuto e logo fui reconhecida.

Para o meu choque, Samuel veio muito rápido em minha direção, portando um sorriso largo. Eu não sabia o que fazer e olhava para os lados, procurando uma saída, caso ele quisesse me machucar ou algo assim. Imaginei os piores cenários possíveis, mas receber um abraço saudoso não estava entre eles.

— Glória a Deus! É você, minha filha, minha filhinha!

Ele me apertou como se eu fosse uma boneca de pano, porém, permaneci estagnada e confusa, apenas sentindo o coração dele batendo acelerado contra o peito. Foi estranho, mas, por alguns segundos intermináveis, eu me senti segura e aconchegada, quase como se eu estivesse acostumada a ser abraçada daquela maneira. Quando Samuel se afastou um pouco e me encarou, pude ver seus olhos marejados, os lábios trêmulos e um sentimentalismo que só serviu para aumentar minhas dúvidas.

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