1. Álvaro

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— Filho, tive outro sonho essa noite. — Minha mãe diz enquanto tomamos o café da manhã juntos — Era Natal, estávamos todos na sala, você chegava com a moça e aquela menininha amável de cabelos castanhos, nos braços, a mesma que sonhei semana passada. A felicidade transbordava no seu rosto e, ao me abraçar, você me dizia: "Mamãe, Deus me deu uma família exatamente como pedi!"

Desde que me formei e voltei para casa, minha mãe tem sonhos com uma mulher e uma garotinha de cabelos castanhos. No início, pensei que era apenas pela sua vontade de me ver casado e com uma família como minha irmã Luciana, que se casou muito cedo, mas como voltou a se repetir, acreditamos que possa ser um prenuncio de algo que irá acontecer comigo.

A família toda está em oração por essa mulher. Mamãe diz que a criança não é minha filha biológica, porém, em seus sonhos, a amo como se fosse meu sangue. Tenho vinte e oito anos e escolhi esperar em Deus, aprendi desde cedo que ele faz sempre as melhores escolhas para nós.

— Quem sabe, hoje não é o dia em que ela chegará em minha vida?! — Brinco e depois me despeço dela com um beijo e sigo para o trabalho.

Tenho o sonho de formar uma família há muito tempo, mas optei por estruturar a minha vida antes de construí-la. Acredito que já estou preparado para esse acontecimento. Sou pediatra, amo minha profissão e tudo que me proporciona. Levo uma vida confortável ao lado dos meus pais. Só que chega uma hora na vida que sentimos a necessidade de ter o próprio lar, engana-se quem pensa que só as mulheres sonham com isso. Provavelmente, sou um cara à moda antiga.

Hoje é dia de plantão na emergência da pediatria e as coisas estão bem tensas, muitas crianças afetadas por essa virose causada pela mudança brusca de temperatura. Meu plantão está quase no fim ao cair da noite e sinto o cansaço me dominar no momento que vou verificar se realmente não tenho mais pacientes, quando escuto uma pequena discussão na recepção.

"Esse é um hospital particular, senhora! Já expliquei, não fazemos caridade, procure um hospital público."

Noto que a atendente está exaltada e não gosto da maneira como fala.

"Minha filha está passando mal, esse é o hospital mais próximo, não tenho dinheiro para pagar o ônibus até lá... Por favor, eu não sei mais o que fazer, moça! Vai me negar ajuda porque sou pobre, é isso?"

A voz chorosa mexe comigo e não consigo ficar indiferente a situação, até porque vai contra os meus princípios e o meu juramento. Vou até a recepção e me deparo com uma cena que corta meu coração. A mulher, que está de costas para mim com uma criança no colo, chora em desespero e sinto sua impotência.

"Se você é pobre, nem devia ter vindo até aqui!"

Essas malditas palavras são o estopim para me meter na conversa.

— O que está acontecendo aqui? — Pergunto encarando a atendente que se retrai ao notar meu olhar duro.

— Apenas estou explicando a essa senhora que não podemos atendê-la, doutor Álvaro. —  O tom de sua voz agora é diferente, quase submisso.

— Como? Negando ajuda e fazendo com que ela se sinta inferior?

A mulher e a criança se viram para mim e sinto meu coração falhar no peito, algo nelas me faz lembrar imediatamente da conversa que tive pela manhã com minha mãe. Porém, não quero alimentar falsas esperanças.

— Sou o doutor Álvaro, pediatra de plantão. — Estendo a mão para a mulher — Posso te ajudar?

— Prazer doutor, sou Taís e essa aqui é minha filha, Mia. Ela está com uma febre muito alta há três dias e acabou de ter uma convulsão, não sei mais o que fazer. — A jovem mãe fala, entre lágrimas.

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