Estalando os dedos, Abel invocou fogo na ponta do indicador, e apontando para a pilha de galhos, uma torre laranja surgiu iluminando a noite e afastando momentaneamente a neve.

- idiota – disse Morpheu jogando a ponta do cigarro no fogo e soltando a última nuvem de fumaça – dez, nove...

- ora, ora, o que eu fiz vovô? – o sorriso sumira.

- oito, sete, seis – a contagem parecia uma serra cortando madeira – cinco, quatro... – os pinheiros chacoalharam e o galhos partidos faziam barulho, sombras se moviam por toda floresta ao redor do grupo – três, dois...

Uma flecha atingiu Abel no coração, que tombou olhando para o horizonte, Vitor e Morpheu desviaram das flechas com facilidade e tudo que atingia a pele de Alice era ricocheteado.

- ele morreu? – perguntou Vitor ofegante e esperançoso.

- não, uma flecha não o mataria tão rápido – Morpheu segurou uma das flechas entes de lhe atingir o rosto – a menos que...

Uma rede caiu, oculta pela neve, era enorme, não dando tempo de Vitor se desviar. Morpheu ficou intangível, reaparecendo nas sombras, em cima de uma arvore atrás de um dos arqueiros.

O metal da foice tocou o pescoço da criatura que tombou sem vida antes mesmo de atingir o chão.

As facas cortaram a rede com facilidade. Vitor pulou, sentindo de onde as flechas vinham, rastreando um por um. As laminas voaram em direção aos arqueiros, então as setas pararam aos poucos.

- chega – gritou uma voz feminina, vinha do rio – chega deste massacre sem sentido em minhas terras.

Vitor e Morpheu pousaram leves no chão. Sentiram que aquela figura usava uma máscara de madeira que cobria todo seu rosto. As roupas eram de folhas e plantas trançadas. Era alta, tinha coxas grossas e braços fortes, empunhava uma lança quase da sua altura.

- o que querem forasteiros? – sua voz era de uma líder – vocês vem em minhas terras, incendeiam meus galhos, assustam meus amigos, matam meus companheiros. – uma pausa, ela caminhava em direção a Alice – e sequestram um dos meus.

- opa, sequestro não – gritou Vitor – viemos devolver ela na verdade

A mulher estudou Alice e suspirou. Ergueu a máscara, colocou as mãos em concha diante da boca e gritou, na verdade pareceu mais um uivo do que um grito. As folhas se agitaram de novo. Desta vez oito lanceiros de máscara surgiram de dentro dos troncos das arvores.

- eca, druidas – agonizou Abel.

- ah você ainda está vivo.

Vitor caminhou até o corpo de Abel e removeu a flecha em seu peito, não muito delicado.

- senhores – disse a mulher – acompanhem meus guerreiros ate nossa vila. O moribundo pode se levantar?

- se você for me carregar eu não posso não – respondeu sorrindo.

- levem-no pelos pés – disse para os druidas mascarados – e se certifiquem que ele bata a cabeça em algumas pedras, se vocês não se importarem, claro.

- senhora, nada me deixaria mais feliz – respondeu Vitor.

O grupo foi por dentro da floresta de pinheiros, a mulher ia na frente ao lado de Morpheu, conversando baixo atrás deles quatro lanceiros marchavam. Em seguida iam Vitor e Alice juntos, logo atrás iam mais quatro lanceiros com dois deles carregando Abel, na verdade o arrastando.

Não foi uma caminhada muito longa. Havia uma caverna em certo ponto, eles entraram e começaram a descer. Era húmida e cheia de estalactites e estalagmites, limo cobria as paredes e parte do chão. Vitor sentiu olhos atrás de frestas observando o grupo.

- ou isso vai dar muito certo, ou vamos sair mortos daqui. – cochichou para Alice

- sejamos otimistas cara pálida.

No fundo da caverna havia luz que transpassava uma grande abertura. Barulho de agua e de movimento vinha dali.

O grupo foi guiado para dentro, ali havia uma cidade feita em pedra e madeira, toda iluminada por vagalumes e por uma substancia grudada no teto. Brilhava verde se mesclando a luz que provinha dos insetos, dando a impressão que eles saiam do teto.

- o que é isto? – era Morpheu quem tomara a iniciativa.

- uma mistura de algas e excremento dos nossos vagalumes – respondeu a mulher mascarada - brilha apenas quando anoitece

A cidade estava um nível abaixo deles, no centro havia um obelisco de pedra, desenhos de guerra enfeitavam as faces. As casas ao redor eram de pedra, madeira e folhas e quanto mais longe do obelisco, mais simples eram as casas.

- descansem sob nosso teto – disse a mulher apontando a lança em direção ao obelisco, agora com a luz notava-se que a mulher era negra, e seus cabelos eram trançados até os ombros. As roupas de folhas mais pareciam uma armadura simples do que roupas.

Notava-se que os lanceiros também eram mulheres, todas negras, mascaradas e com cabelos trançados.

- amanhã nós conversaremos diplomaticamente.

- claro – Morpheu se encaminhou em direção da grande construção – venham crianças.

- Aonde estão indo? – as guardas se puseram na frente deles, as lanças em forma de X. até os vagalumes pareceram voar mais devagar.

- Ande serão nossos aposentos? – disse Abel se levantando e sacudindo a poeira das roupas.

- A garota vem conosco, vocês ficarão ali – pontou para uma das casas mais distantes do coliseu.

Era baixa e tinha o teto quebrado, não havia janelas ou portas e estava retorcida, prestes a cair.

- Elas guiarão vocês até lá, quando se levantarem venham até este mesmo ponto.

- Meu imperador, que mulher maravilhosa – disse Abel enquanto eram guiados para o barraco de madeira.

O local era pior por dentro do que por fora. O mofo entrava pela madeira deixando-a branca, mas vitor não se importou, estava tão cansado que apenas deitou no canto e adormeceu, sem prestar atenção no cheiro ou na humidade do local.

Sonhou com trevas e gritos, sonhou com Sirius. Estava de pé, de costas para Vitor, em meio ao nada com seu terno de risca de giz. Quando virou-se havia um buraco em seu peito, seus olhos eram fundos e cansados, mas ainda assumiam o tom vermelho característico dele.

- Você precisa quebrar a casca garoto. O libertador precisa de você, eu preciso de você.

Sirius caminhou em direção a ele e tocou-lhe o ombro.

- Sirius!! – gritou – onde você está? Está bem?

A energia que vinha dele era pesada, emanava trevas, mas não era agressivo. As sombras dançavam ao seu redor, eram chamas, mas não queimavam, nem quentes eram.

- Não sou Sirius criança – disse uma miríade de vozes – assumi esta forma para que você me reconhecesse melhor. Estamos juntos meu corpo, logo você me libertará, logo seremos um.

Ao fundo outras vozes diziam em uníssono "a casca, quebre a casca"

- Libertador? – disse incrédulo – como?

- Você está mais forte – a miríade era irritante, agora Vitor notara que também estava em chamas e nu – precisa quebrar a casca.

- Como?

- Saberá, existe alguém que pode te ajudar... – ele começou a ficar transparente se tornando parte do nada.

Vitor pensou, seria Morpheu? Não, se fosse ele, o libertador saberia.

- Quem? Me diga por favor – implorou o garoto

- Ergos...

E acordou.

- Morpheu – gritou em direção ao velho – Morpheu...

- Com sete malditos infernos garoto – disse irritado – deixa-me dormir.

- Ele falou comigo. 

Vitor Salavar - Os Quatro ReisWhere stories live. Discover now