Familiar Ground

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O sol já estava quase a pino, observando dois rapazes arrancando o mato de um canteiro que não via flores há alguns anos.

- Você pensa em plantar alguma coisa aqui? - disse o filho mais novo de dona Nicoletta, com um sorriso curioso.

Luccino era tão gentil que sua presença deixava Otávio inquieto. Sentia a necessidade de ajudar com os consertos necessários (na verdade preferia fazer tudo sozinho ao invés de incomodar alguém), mas estar tão próximo dele confundia seus instintos - queria tocar aqueles cabelos e queria fugir para o outro lado do país.

- Talvez... Um arbusto florido ficaria bonito, azaleias? Mas a única planta que eu já tive foi um cacto com uma flor artificial de enfeite, então não sei bem se consigo - Otávio riu nervosamente, procurou nos olhos do outro algum indício de impaciência ou tédio. Queria que Luccino fosse seu amigo. Queria poder conversar com ele - Queria saber mais sobre você.

Luccino o encarou e levantou uma sobrancelha. Otávio arregalou os olhos, em pânico.

- Quero dizer, quero saber mais sobre... Sobre a sua família! Sobre a casa, sua mãe disse que era do seu... Avô? Tataravô acho. Você não precisa... Eu não quis dizer....

Luccino estava sorrindo.

- Pretende terminar alguma de suas frases? Não acho que dá pra conversar se eu tiver que adivinhar o que você quer dizer - Luccino começou a juntar as ervas daninhas para colocar num saco de lixo, desviando o olhar de Otávio para lhe dar espaço.

- Eu não quis... Te deixar desconfortável. Não pretendia dizer aquilo em voz alta - sua voz foi se apequenando a cada palavra. Sentia o rosto queimando.

Uma mão cálida lhe tocou o ombro esquerdo.

- Deixe disso. Acho que eu deveria estar desconfortável, mas estou sentindo uma paz tão imensa aqui. Está um dia bonito e eu acho que acabei de fazer um novo amigo - Luccino sorriu, e Otávio não pôde evitar sorrir de volta.

- Se isso for verdade, essa é a amizade mais rápida e fácil que eu consegui desde o jardim de infância - Otávio riu, aliviado com a reação.

- Como assim, Otávio? E eu? - disse Mariana, abrindo o portão e puxando seu noivo, Victor Brandão, pela mão.

- Você é uma intrometida - respondeu Otávio, se levantando para abraçar a amiga - Fala, Mariana, o que quer de mim agora?

- Brandão e eu viemos te buscar para um almoço antes que morra de fome, mas se preferir pode continuar... - Ela olhou para Luccino - ...aqui com seu novo amigo.

Otávio corou violentamente com as palavras carregadas de subtexto.

- Sou seu amigo também, até onde me lembro - disse Luccino, limpando as mãos sujas em um pano velho - Pelo menos eu era há duas semanas e fui te salvar na chuva quando a corrente da sua moto estourou no meio do mato.

- É claro que é! - disse ela, abraçando-o - E está convidado a almoçar com a gente também.

- Eu estou com um pouco de trabalho atrasado na oficina... - começou Luccino

- Você sempre tem trabalho a fazer na oficina, mas pode tirar um tempo para comer com os amigos, não pode? Vamos, Luccino, ou vou ter que dizer pra sua Mama que você não está se alimentando direito - interrompeu Brandão.

- Você não ousaria! - exclamou Luccino, horrorizado.

Otávio ria baixinho com aquela cena, sentindo-se leve e despreocupado como há muito não se sentia. Queria que esse momento se estendesse o máximo possível. - Vamos, Luccino, merecemos todas as glórias e agrados depois desse trabalho todo.

- Então vou - disse o rapaz, suavemente - Vou para casa me trocar. Onde encontro vocês?

- Na minha casa - respondeu Brandão. - Já deixamos quase tudo pronto e estamos morrendo de fome, então não demore ou não vai sobrar nada pra você.

Luccino riu, saindo apressado pelo portão. Otávio quase suspirou, mas se controlou a tempo.

- Quer que eu te passe o telefone dele? - disse Mariana, sussurrando em seu ouvido.

- Que absurdo, acabamos de nos conhecer, você está imaginando coisas - Otávio se apressou a dizer - O Luccino é uma boa companhia, só isso.

- Eu nunca vi o Luccino tão animado, parecia completamente encantado com você. Brandão também viu, não é mesmo? - disse Mariana.

Brandão riu e pôs o braço direito sobre os ombros da noiva. - Se Mariana viu, estava lá. Ela sabia que eu tinha me apaixonado por ela antes de eu mesmo pensar na possibilidade.

Otávio franziu a testa, não se permitindo acreditar naquilo. - Vocês estão passando tempo demais passeando de moto debaixo do sol. Tem chá gelado na cozinha se quiserem, vou me trocar e já vamos.

Mariana riu e sussurrou algo para Brandão, e entraram na casa atrás de um Otávio levemente irritado.

...

Depois do almoço farto, os quatro conversavam e contavam histórias, despreocupados e contentes.

- E lá estava esse rapaz, misterioso, segurando um copo cheio de bebida quente, parecendo completamente deslocado. Eu tive que ir falar com ele - disse Mariana, sorrindo para Otávio.

- Eu estava completamente entediado pra falar a verdade - disse ele - A música era ruim, as pessoas estavam todas muito bêbadas, eu já estava pronto pra ir embora. Então surge essa TinkerBell morena e esbarra em mim, de propósito - Otávio apontou para Mariana para enfatizar sua falsa indignação - derrubando toda aquela cerveja quente na minha camiseta favorita.

Mariana gargalhou, deliciada - Então eu disse, "perdi meus amigos, estou morrendo de fome e agora derrubei bebida em você. Quer sair daqui? Eu te pago um lanche pra compensar essa bagunça". Ele travou por uns minutos tentando descobrir se eu era doida ou se estava cantando ele. Mas aceitou.

- Um lanche de graça é um lanche de graça. É falta de educação recusar - disse Otávio, como se fosse óbvio.

- Mas que festa foi essa que estava tão ruim pra vocês quererem ir embora tão cedo? - perguntou Luccino.

- Festa de calouros, eu não conhecia ninguém mas os garotos que moravam comigo insistiram pra eu ir, então... - respondeu Otávio, suspirando.

- Se não tivesse ido teria perdido a imensa honra de dividir um podrão comigo - interrompeu Mariana, satisfeita consigo mesma.

- E que perda terrível seria - concordou Otávio, esticando o braço para segurar a mão da amiga no outro sofá, apertando com carinho.

- Devo me preocupar com esse amor todo? - brincou Brandão, sonolento.

- Hmm, talvez. Vai comigo dar um mergulho na cachoeira mais tarde? - indagou a moça, bocejando.

- Seu pedido é uma ordem - respondeu Brandão, dando um beijo preguiçoso na noiva.

- Já que todos querem dormir, vou voltar ao trabalho. Quer uma carona, Otávio? Eu te deixo em casa - Luccino ofereceu.

Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, Mariana se adiantou - Mas que ideia ótima! Claro que ele aceita.

- Fala por mim agora? - Otávio pretendia aceitar, mas sabia o que Mariana estava pensando e isso o deixava inquieto - Mas aceito sim.

O sorriso de Luccino se alargou e qualquer nervosismo que tentasse nublar os pensamentos de Otávio se dissipou.



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