12 - A PRIMEIRA BATALHA DE PEDRO

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– Avante! – disse bem baixinho o Sr. Castor.

– Não! – murmurou Pedro. – Vá primeiro.

– Não! Os Filhos de Adão devem ir antes dos bichos – disse o castor, sempre baixinho.

– Susana... – sussurrou Pedro. – Que tal você?

As damas primeiro.

– Não! Você é o mais velho.

Quanto mais demoravam, mais perturbados se sentiam. Pedro acabou compreendendo que lhe cabia ser o primeiro. Levantou a espada em saudação, dizendo apressadamente aos outros:

– Venham! Não tenham medo!

Avançou para o Leão e disse:

– Estamos aqui, Aslam!

– Seja bem-vindo, Pedro, Filho de Adão – respondeu Aslam. – Bem-vindas, Susana e Lúcia, Filhas de Eva. Bem-vindos, Sr. e Sra. Castor.

A voz, profunda e generosa, teve o efeito de um calmante. Ficaram alegres e animados, não mais perturbados por estarem ali sem dizer uma palavra.

– Mas por onde anda o quarto humano? – perguntou Aslam.

– Quis traí-los e aderiu à Feiticeira Branca, Aslam – respondeu o Sr. Castor.

Num impulso, Pedro disse:

– Em parte, foi culpa minha, Aslam. Fiquei zangado com ele...

Aslam nada disse; ficou simplesmente olhando para Pedro com os seus olhos enormes.

– Por favor... Aslam – disse Lúcia –, não podemos fazer algo para salvar Edmundo?

– Faremos o que for preciso. Mas pode ser mais difícil do que você pensa.

O Leão guardou silêncio por certo tempo. Lúcia então reparou que sua expressão (apesar de imponente, régia e calma) também era triste. Mas a tristeza não demorou muito. Ele sacudiu a juba, bateu as patas ("Que terríveis patas seriam" – pensou Lúcia – "se ele não soubesse como torná-las macias!") e disse:

– Enquanto isso, preparem o festim! Senhoras, levem para a barraca real estas Filhas de Eva e tomem conta delas.

Afastadas as meninas, Aslam pousou a pata (apesar de aveludada, muito pesada) em cima do ombro de Pedro:

– Venha, Filho de Adão; vou mostrar-lhe o palácio onde um dia será rei.

Ainda empunhando a espada desembainhada, Pedro acompanhou o Leão ao extremo leste do topo da colina. O Sol se punha por detrás deles: embaixo, estendiam-se a floresta, montanhas, vales e o rio a colear como uma serpente de prata. Além, muito além, ficava o mar; além do mar, o céu, coberto de nuvens avermelhadas pelo pôr-do-sol.

Onde o país de Nárnia se encontra com o mar – na foz do grande rio – brilhava alguma coisa no alto de uma colina. Era um castelo com todas as janelas voltadas para Pedro e para o poente, refletindo a luz do Sol. Parecia uma estrela imensa a descansar na praia.

– Aquilo, ó humano, é Cair Paravel, dos quatro tronos, num dos quais você há de sentar-se como rei. É o primeiro a vê-lo por ser o primogênito; e será o Grande Rei, acima de todos os outros.

Pedro não chegou a falar: um ruído estranho feriu o silêncio. Era como um som de clarim, só que mais impressionante.

– É sua irmã que faz soar a trompa – disse Aslam a Pedro, falando baixinho, tão baixo que parecia um rosnado, se não é falta de respeito falar assim.

Por um momento, Pedro não entendeu o que se passava. Aslam, no entanto, disse, acenando com a pata para as criaturas que avançavam:

– Para trás! Deixem que o príncipe conquiste o seu reino!

Aí compreendeu tudo e partiu correndo para o pavilhão, onde assistiu a um horroroso espetáculo.

As náiades e as dríades fugiam em todas as direções. Pálida como a neve, Lúcia corria para ele com suas perninhas curtas. Susana também corria e tentava subir a uma árvore, perseguida por um monstruoso bicho pardo. A princípio, Pedro julgou que fosse um urso; achou depois que era um pastor-alemão, se bem que fosse grande demais para ser um cachorro. Só então viu que era um lobo, que empinava, rosnava, golpeava com as patas no tronco da árvore, o pêlo todo eriçado. Susana não conseguia passar do segundo galho, com uma perna suspensa, o pé a uns dez centímetros dos dentes ferozes do polícia secreta da Feiticeira Branca. "Por que ela não sobe mais?" – pensava Pedro. – "Pelo menos, por que não se segura com mais firmeza?" Só então reparou que a pobre garota estava quase desmaiando. Se desmaiasse...

Pedro não estava sentindo uma coragem extraordinária. Verdade seja dita, estava até começando a sentir-se mal... Mas isso não o impediu de fazer o que tinha de ser feito. Correu direto ao monstro e fez menção de vibrar-lhe um golpe com a espada. O golpe não chegou ao alvo. Como um relâmpago, a fera voltou-se, os olhos em fogo, boca escancarada, uivando de raiva. Teria despedaçado o menino, se não estivesse tão raivoso. Mas foi assim. Com toda a força, Pedro enterrou a espada entre as patas do lobo, bem no coração. Seguiu-se um momento pavoroso, de tremenda confusão, como num pesadelo. Pedro lutava desesperadamente. O lobo não parecia nem vivo nem morto. Os dentes do animal bateram em sua testa. Era tudo sangue, calor, pêlos e cabelos... Um momento depois, percebeu que o monstro estava morto; desenterrou a espada, endireitou-se, limpou o suor que lhe cobria o rosto e os olhos. Estava exausto o herói!

Susana, daí a pouco, desceu da árvore. Ficaram, ela e Pedro, muito comovidos quando se encontraram. Não posso negar que houve beijos e choradeira, de parte a parte. Mas em Nárnia isso não causa má impressão em ninguém.

– Depressa! – gritou Aslam – Centauros! Águias! Há um outro lobo no bosque. Ali... bem atrás de vocês. Vão atrás dele. Deve estar à procura da dona. E a oportunidade de descobrir a feiticeira e de salvar o quarto Filho de Adão.

Num instante, com um bater de cascos e um tatalar de asas, um grupo de velozes criaturas desapareceu nas trevas.

Pedro, ainda respirando mal, viu que estava junto de Aslam.

– Esqueceu de limpar a espada – disse o Leão.

Verdade. Pedro corou ao ver a lâmina brilhante manchada de sangue e de pêlos do polícia secreta. Esfregou a espada na relva, enxugando-a depois no casaco.

– Dê-me a espada. Ajoelhe-se, Filho de Adão! – disse Aslam.

Tocou-o com a lâmina da espada e disse:

– Levante-se, rei Pedro! E, aconteça o que acontecer, nunca se esqueça de limpar a espada!

O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa | As Crônicas de Nárnia II (1950)Where stories live. Discover now